sexta-feira, 15 de dezembro de 2023


15 DE DEZEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

COMPROMISSO COM A ISENÇÃO

A prolongada sabatina que antecedeu a aprovação do ministro Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal evidenciou mais uma vez o antagonismo exacerbado das forças políticas no Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, deu visibilidade a deformações que precisam ser corrigidas nas relações entre os poderes da República. 

A mais visível e complexa talvez seja a própria indicação do candidato à sucessão dos integrantes da Corte que se aposentam ou deixam o cargo por algum outro motivo. Embora não haja uma determinação legal, o Brasil segue o ritual da Justiça norte-americana, pelo qual o nome indicado vem de uma escolha pessoal do presidente da República. Localiza-se aí a brecha para o apadrinhamento político que, invariavelmente, tem prevalecido nas indicações. Foi, evidentemente, o caso da indicação de Flávio Dino pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da mesma forma como fizeram seus antecessores. 

O indicado, porém, precisa preencher as exigências do Artigo 101 da Constituição Federal e de seu parágrafo único: ter mais de 35 anos e menos de 65, ter notável saber jurídico e reputação ilibada, e ser aprovado pela maioria absoluta do Senado Federal antes da nomeação pelo presidente da República. O ex-governador Flávio Dino passou com méritos pela sabatina, apesar do placar minguado tanto na Comissão de Constituição e Justiça (17 votos favoráveis e 10 contrários) quanto no plenário do Senado (47 favoráveis e 31 contrários) - consequência de recentes polêmicas em que esteve envolvido na condição de ministro do atual governo e ao longo de sua vida política. 

Mas nem mesmo os adversários questionam seu conhecimento jurídico, já suficientemente testado no período de 12 anos em que foi juiz federal, nem sua reputação. As dúvidas, legitimamente levantadas, recaem sobre a isenção que poderá ter como julgador de rivais políticos como o ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem chamou recentemente de serial killer. Em resposta, Dino garantiu que saberá distinguir o papel do juiz do de político - o que a tradição e a cultura vigente na Suprema Corte costumam assegurar à população brasileira. 

Cabe aqui, porém, uma ressalva: a recente perda de popularidade do STF, atestada pela última pesquisa Datafolha, tem relação direta com o chamado ativismo jurídico, expressão dispensada à leitura política de questões que deveriam ser examinadas por critérios estritamente técnicos, à luz da Constituição. Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal mantém a credencial de guardião da democracia, revalidada mais uma vez na sua firme atuação contra a recente tentativa de golpe por grupos inconformados com o resultado da última eleição presidencial. 

O país precisa de instituições fortes e conscientes de suas obrigações constitucionais. O que se espera do ministro recém aprovado é que use sua experiência na vida pública para exercer o novo papel com dignidade e respeito às regras constitucionais. Igualmente é desejável que o Legislativo - também com a popularidade em baixa - deixe de lado o revanchismo político e passe a tratar de forma mais respeitosa as demais instituições. 

A própria sabatina conjunta da última quarta-feira evidenciou um certo descaso do parlamento com a Procuradoria-Geral da República. Como o interesse pela nomeação de Flávio Dino era muito maior, o futuro procurador-geral, Paulo Gonet, ficou em segundo plano, embora tenha sido aprovado pela folgada margem de 65 votos favoráveis e 11 contrários.

OPINIÃO DA RBS

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