Depois de uma incerta idade - aquela idade em que você pensa qual é a sua idade antes de responder -, você passa a receber presentes seriados. É só um tipo de presente, monotemático. Seus afetos cansam de tentar opções. Parece que a criatividade acabou dentro de casa. Ninguém mais quer se incomodar investigando o que você gosta.
Ou ganha só camisetas de futebol, ou só camisas, ou só sapatos e tênis, ou só pijamas. Você vira uma loja de um único item. Tenho enfrentado essa barra desde os 40 anos.
Primeiramente, passei a ser presenteado com uísque no meu aniversário. Estava com fama de gambá, de pinguço, logo eu que raramente bebo. O estoque se mostrava extraordinário. Montei um bar com várias prateleiras de garrafas lacradas. Nem com festão para 300 pessoas eu terminaria o excedente. Nem vivendo 300 anos eu beberia o conteúdo sozinho. Fui reclamar da destilaria publicamente, e a natureza do presente único mudou.
Posso concluir que houve um upgrade na minha imagem. Subi de patamar. Atingi a fase seguinte, um nível inédito de dificuldade no videogame da maturidade. A questão é: o que ele significa? Será que o regalo é como as pessoas me enxergam? Não há como raciocinar de modo diferente. Uísque revelava que todo mundo me via como boêmio: um poeta insone e beberrão.
Agora meu filho me deu uma mala, minha esposa me deu uma mala, e o boato saiu do círculo familiar: um casal de amigos, Daniel e Cristina Baum, me deu uma nova mala, lançamento da Reserva, com rodinhas de skate para disputar corridas com os passageiros aflitos, da revista até o portão de embarque.
Não deve ser uma casualidade. Já sei com o que vou ser brindado nas próximas datas comemorativas. Acabou a surpresa. Aos 51 anos, tenho que me conformar com a minha estranha fisionomia de bagageiro. O ciclo costuma durar uma década. Preciso separar um espaço na lavanderia para acomodar as bagagens. Minha fama de aeroporto logo irá se espalhar aos quatro ventos.
Restam duas explicações possíveis para a definição do novo objeto: ou as pessoas desejam me ver longe, ou é uma indireta muito direta de que sou uma mala. Nem venha alegar que significa que viajo muito para palestras e shows. Ou que, espiritualmente, vivo com os pensamentos distantes e me distraio escrevendo.
Lamentei o episódio com a minha terapeuta. Ela não me poupou da ironia: - Veja pela perspectiva positiva de que você é uma mala adorada, moderna, com alça e rodinhas de skate. O que me doeu é que ela não contestou a versão dominante dos meus afetos. Existe terapia para curar traumas da própria terapia?
Nenhum comentário:
Postar um comentário