Jaime Cimenti
Se
você consegue acordar cedo com as palavras e notícias catastróficas metralhadas pelos radiojornais e telejornais e levantar da cama; Se você mais uma vez desistiu de fugir dos bandidos e se mandar de mala e cuia para o Uruguai (muito frio), Miami (muito caro), Rio de Janeiro (muita violência), Portugal, Austrália, Nova Zelândia (muito longe), Canadá, Suécia, Dinamarca ou Noruega (caríssimo); Se você tem esperança profissional brasileira de que a Lava Jato é eficiente e duradoura como um eletrodoméstico nórdico e que não vai ser lavada e tornada obsoleta por alguma anistia tipo aquelas de parlamento italiano, que sujaram as mãos limpas;
Se você acha que ainda existe alguma verdade, alguma ética e que é possível revogar a Lei de Gerson e dar uma limpada geral na política, na economia e nos poderes públicos; Se você acha que dá para controlar muuuuuuitooo a corrupção, o propinoduto e as demais tretas e aplicar o dinheiro em saúde, educação e segurança;
Se você acha que a gente vai conseguir pensar mais no coletivo e não só nos interesses individuais, pensar um pouco mais no que pode fazer pelo País e não só no que o País pode fazer por nós, pensar que estamos no mesmo barco, no meio da tempestade;
Se você acha que podemos aproveitar melhor nosso potencial turístico, nossas riquezas naturais, nossas qualidades pessoais e nossa rica e diversificada cultura; Se você acha que surgirão novos e bons líderes e partidos políticos, com propostas de união nacional em torno de interesses públicos verdadeiros; Se você acha que os administradores públicos conseguirão gastar bem o que tem e não gastarão o que não têm;
Se você acha que as pessoas obterão empregos, conseguirão poupar, não gastar o que não têm e observar o que fazem cidadãos de outros países, em termos de vida, consumo, hábitos e ideias; Se você ainda tem capacidade de sonhar e achar que sonhos se tornam realidade, ouvindo Pixinguinha, Villa Lobos, Tom Jobim, Ary Barroso, Chico, Gil, Caetano e tantos outros;
Se você acha que é possível desarmar os bandidos, para não precisar armar os cidadãos e que é possível dar um jeito na criminalidade e deixar de viver com medo de sair para a rua e enfrentar a roleta-russa cotidiana das calçadas; Se você acha que é possível melhor entendimento entre as forças do capital e do trabalho e debate sereno, transparente e real sobre as questões da previdência social;
Se você acha que é possível, seguindo o modelo sueco, um País com menos ou sem excelências, privilégios, gastos públicos controlados, pompas e circunstâncias reduzidas, término de almoços e jantares PJ (pessoa jurídica) e PP (poder público), auxílios esquisitos, cartões de crédito corporativos e outros penduricalhos; Se você acha que é possível um teto para remunerações públicas; Se você acha que é possível conversarmos, respeitadas as diferenças e juntarmos, todos, os cacos desse Brasil fraturado, para bem de todos e para bens dos que ainda vão nascer;
Bom, aí então és um brasileiro consciente, esperançoso, realista e que, junto com os demais, pode tentar dar um jeito no que está aí. a propósito... Vêm aí as eleições. Tomara que na reforma política - aquela que não sai nunca - os parlamentares ouçam e respeitem os eleitores. Respeito, liberdade e democracia são ótimos e os cidadãos agradecem.
Há quem não queira votar em quem já está no poder. Há quem queira - parece que são milhões - renovar para valer e dar um solene cartão vermelho para os representantes que não os representam. Há cidadãos que já estão saindo no braço para cima de parlamentares em aeroportos. Violência não é bom para ninguém. Os políticos devem se dar conta que a cordialidade, o caráter lúdico, a ginga e a paciência dos brasileiros acabaram.
Todos esperam que eles se toquem. Ou então serão tocados para fora. Ainda é tempo de eles ouvirem a gritaria das ruas.
- Jornal do Comércio - (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/03/colunas/livros/554490-estranhas-memorias-de-porto-alegre.html)