03
de maio de 2015 | N° 18151
CARPINEJAR
Casaquinho
preto
Toda
mulher tem um casaquinho preto, de malha, que custou barato e é uma companhia
inseparável. De aparência simples e discreta, o casaquinho é mais importante do
que qualquer roupa de estilista famoso.
O
casaquinho é aquele que ela diz para as amigas que deveria ter comprado dois e
que jamais encontrará igual. E ela nunca compra dois, apesar de já ter
amaldiçoado a avareza antes.
O
casaquinho é uma segunda bolsa, tamanho seu valor prático, combate o frio do
cinema, da saída de festa e de jantares. Toda mulher que se admira tem um
casaquinho preto, que cavou em uma liquidação como um dos grandes achados de
sua vida.
É
uma peça invisível que não estraga nenhuma combinação. É um travesseiro para os
ombros. É uma vitamina C de pano para prevenir a gripe.
Não
se habilite a segurar o casaquinho preto dela, é muito pessoal. Cometerá uma
gafe. O máximo que pode fazer é ajudá-la a vesti-lo.
Nenhuma
mulher aceita emprestá-lo. Não é gentileza, e sim invasão de privacidade, o
equivalente a mexer em suas redes sociais.
O
casaquinho é um objeto íntimo, intransferível, lingerie pelo lado de fora. Não
queira assumir a responsabilidade. Se tomar conta e extraviar, ela ficará
enlouquecida e não perdoará a distração.
Casamento
é bem capaz de terminar quando o homem inventa de proteger o casaquinho e acaba
esquecendo em algum lugar. Não corra riscos. Eu perdi um casaquinho num show.
Amarrei na cintura. Ao pular e dançar como um negro gato no show do Luiz
Melodia, deixei cair no meio da pista.
Estávamos
felizes, radiantes, nos beijando e nos abraçando com furor, um casal
antologicamente apaixonado em Porto Alegre, cantando as canções de cor e
trocando risos caprichados. Quando, no intervalo de uma música, ela me
perguntou “Cadê o casaquinho?”, a noite mudou de feição, ela mudou de feição,
eu mudei de feição vendo a noite e ela mudando de feição ao mesmo tempo.
Paralisei minha boca em uma careta, porque ele havia sumido sem que percebesse.
Com
a lanterna do celular, eu me postei no chão, me agachei como o aspirador dos
dedos para reconhecê-lo entre latas e copos de bebida. Pisaram em minhas mãos,
me empurraram, e nada de resgatar o pobrezinho.
Ela
passou a madrugada lamentando o casaquinho, a manhã seguinte lamentando o
casaquinho, o mês seguinte lamentando o casaquinho. Era viúva do casaquinho.
Não se falava em outra coisa.
Procurei
corrigir o erro e adquirir um semelhante. E agravei a minha falha: só ela tem o
direito de escolher seu casaquinho. As mulheres não são difíceis, mas
fetichistas.
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