
FERREIRA
GULLAR
Necessidade
É fascinante
que tudo seja imprevisível. Faz da vida uma aventura, e o jeito é torcer por um
'happy end'
Como
costumo dizer, estou a cada momento descobrindo o óbvio. É que, às vezes, o óbvio,
por ser óbvio, esconde o mistério, ou, pelo menos, é o que me parece.
Uma
das coisas óbvias que descobri é que muito troço na vida resulta, em boa parte,
do acaso.
Sei
que há pessoas que pensam o contrário, pois acreditam que tudo o que acontece já
estava determinado. Acho isso difícil, quando mais não seja porque, sem falar
no resto, só de gente no planeta há atualmente muitos bilhões. Já imaginou o
que seria prever e determinar tudo o que deve ocorrer com essa quantidade de
gente a cada minuto?
Bem,
não vou discutir esse tema porque não é ele que me traz a essa conversa com você.
Acho fascinante --ainda que um tanto assustador-- o fato de que o que pode nos
acontecer seja imprevisível. Faz da vida uma aventura, e o jeito é torcer por
um "happy end".
Mas
o melhor mesmo é não se preocupar com isso e deixar o barco correr solto. Isso
não significa não tentar fazer com que tudo dê certo, ou seja, que busquemos o
melhor, a felicidade, a alegria.
É como
no futebol: a função do técnico é treinar o time para que faça mais gols do que
leve. Assim na vida como no jogo.
E
era exatamente aí que eu queria chegar: a quantidade de acaso que entra na criação
da obra de arte. Já falei sobre isso, citando como exemplo o nascimento do
poema.
Antes
de escrevê-lo, o poeta tem diante de si a página em branco e, numa página em
branco, qualquer coisa pode ser escrita.
Como
o poema ainda não existe, o poeta não sabe o que vai escrever nem como começar
a escrevê-lo. Diante da página em branco, ele se defronta com um número
incalculável de probabilidades, mas, no momento em que escreve o primeiro
verso, essa probabilidade --ou seja, o acaso-- se reduz.
E à medida
que o poema vai se formando, o acaso vai sendo reduzido e só entra ali o que se
ajustar ao que já está escrito, o que for necessário à sua realização.
Sim,
porque, como na vida, o que realizamos e se mantém é o que se faz necessário. Isto
é, trata-se de uma relação dialética entre o acaso e a necessidade.
No
poema, como na vida: por acaso, você encontra alguém, mas essa pessoa só se
tornará sua companheira se você e ela necessitarem um do outro.
Mas
voltemos à poesia. Por esta ou aquela circunstância, ocorre ao poeta
determinada palavra que faz nascer o verso inicial do poema. Se em vez desse
verso surgisse outro, o poema não seria o mesmo.
Mas
não importa, desde que, nessa dialética, resulte um poema capaz de encantar o
leitor e, se o consegue, torna-se necessário a quem o lê, incorpora-se a sua
vida.
O
mesmo ocorre com a pintura: na tela em branco tudo pode surgir, dependendo das
primeiras pinceladas que o pintor lance ali.
E,
na pintura, ocorre algo que dificilmente ocorre no poema: o pintor pode,
estando o quadro pronto, borrar tudo e começar de novo, como aconteceu com um
retrato meu pintado por Iberê Camargo: quando pensava que, enfim, ele concluíra
o retrato, borrava tudo e começava outra vez. O poeta dificilmente faz isso: se
o fizer, terá de começar de novo, enquanto, na pintura, o apagado não se apaga.
Com
um poema meu ocorreu um fato que o ajudará a entender o que digo. Escrevi-o
pouco antes de partir para o exílio e, lá chegando, verifiquei que o havia
perdido.
Inconformado,
decidi escrevê-lo de novo e o fiz. Pois bem, ao voltar para casa, reencontrei
numa gaveta o poema supostamente perdido. Li-o e fiquei surpreso, porque ele
era diferente do que escrevi depois.
A
conclusão inevitável é que, se não o tivesse dado por perdido, não o teria
escrito outra vez e, assim, a primeira versão passaria por ser a única forma
possível de escrevê-lo.
E,
de fato, não era, porque o poema, como tudo o mais na vida, resulta de uma soma
de fatores circunstanciais que se oferecem à opção do poeta no momento em que o
escreve.
Seu
núcleo é, certamente, algo essencial que o poeta quer expressar, mas, como
ainda não o fez, busca fazê-lo com as ideias e palavras que, naquela situação,
lhe ocorrem. Logo, se o momento for outro, o poema não será exatamente o mesmo.





O presente perfeito deveria saltar aos olhos como um
grande pacote vermelho sobre um jardim coberto de neve inconfundível,
inescapável. Todo nosso carinho condensado em um único objeto, que por acaso
custaria exatamente o que podemos pagar e nem um centavo a mais. Nenhuma
hesitação, fila ou mesmo uma data compulsória determinando o dia e o motivo da
entrega. Um presente tão espontâneo e único quanto o afeto que inspirou a vontade
de presentear.
Se você é um ogro machista e homofóbico, você tem
representantes no Congresso, na imprensa, tem vários amigos no clube. Se você é
LGBT, você tem representantes no Congresso, na imprensa, tem vários clubes de
amigos(as). Agora, se você está no meio do caminho, se é apenas um homem
sensível lutando para ver respeitados certos direitos básicos de sua pacata
heterossexualidade, não tem político a quem pedir socorro e periga não emplacar
sequer reclamação na seção de cartas do jornal.




Os ingênuos podem supor que a alegria que sentimos ao
fazer o que fazemos depende da importância que os outros dão ao que é feito.
Felizmente, não é assim, porque senão, aos que fazem as tarefas chamadas
menores, só restaria a frustrante sensação da insignificância. E com ela, o
sentimento de inferioridade.