Uma galáxia com 40 bilhões de
Terras
Para
cientistas, o Kepler-186f
foi apenas o primeiro planeta parecido com a Terra a ser descoberto na Via Láctea.
O avanço da ciência espacial sugere que a pergunta que há milênios nos intriga
— estamos sozinhos no universo? — tem resposta: Não
Rita
Loiola
Concepção
artística de como seria a Via Láctea vista de cima, há milhões de anos luz da
Terra
A
Via Láctea, vista de cima: muitos outros planetas, além da Terra, podem abrigar
vida (Nasa)
Na
Via Láctea não há apenas uma Terra. Há 40 bilhões delas. O Kepler-186f , planeta fora do Sistema Solar
muito semelhante ao nosso, descoberto no último dia 17, provavelmente será
conhecido como o primeiro dessa espécie. Em um futuro próximo, contudo, muitos
planetas assim, parecidos com a Terra, serão revelados pelos astrônomos.
Com
dimensões muito próximas às do mundo onde vivemos, o Kepler-186f deve ser rochoso e composto também
de ferro, água e gelo, segundo cientistas. Isso significa que sua atmosfera
também deve ser parecida com a nossa. Ele orbita a zona habitável de uma
estrela anã — ou seja, uma faixa nem muito próxima e nem muito distante de sua
fonte de calor e luminosidade, o que faz com que suas temperaturas não sejam
extremas. Essa é uma das características que mais empolgou a comunidade
científica: o planeta tem grandes chances de ter água na forma líquida, uma das
condições fundamentais para a existência de vida sobre sua crosta.
"Essa
descoberta mostra que realmente existem planetas do tamanho do nosso em zonas
habitáveis", afirma a astrofísica Elisa Quintana, principal pesquisadora
da Nasa responsável pela revelação do Kepler-186f . "Estamos percebendo que há
muitos como ele e, por isso, as chances de existir vida em outros planetas é
muito alta."
Até
2010 ainda não havia confirmações de que outros lugares no espaço poderiam
reunir as mínimas condições propícias à vida – água na forma líquida, energia e
algum dos seis elementos fundamentais para a existência (carbono, hidrogênio,
oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre). No entanto, com o lançamento de
missões como a Kepler, há cinco anos, e o avanço de telescópios capazes de
visualizar e enxergar não só partes longínquas do cosmo, mas também pequenos
planetas (do tamanho da Terra ou menores que ela), os cientistas estão
percebendo que, sim, há bilhões de planetas que exibem as mesmas
características do nosso. E deles, o Kepler-186f é o mais semelhante à Terra até
agora. Então por que, entre inúmeras possibilidades, seríamos os únicos
privilegiados com a vida?
Para
a Nasa, vida é oficialmente definida como "um sistema químico auto-sustentado,
capaz de sofrer evolução Darwiniana". Não significa dizer que há animais
ou civilizações como as criadas pelo homem em planetas afastados. Mesmo
organismos muito simples, como vírus ou colônias de bactérias, significam vida
para a Nasa e para as quase 150 missões em todo o mundo que buscam planetas
fora do Sistema Solar. Em conjunto, eles tentam responder à questão que
inquieta astrônomos desde a Antiguidade: estamos sozinhos no universo? Ainda
não chegou a confirmação categórica de que existe vida fora da Terra. Mas o
conjunto de evidências, que agora ganhou reforço com a existência do Kepler-186f , indica que a resposta está cada
vez mais próxima. E talvez a pergunta a ser respondida nos próximos anos seja
outra: que tipo de vida nos cerca?
A descoberta
de mundos — A divulgação do novo planeta mereceu a atenção de todo o mundo
porque era aguardada desde a metade do século XX pelos cientistas. Foi nessa
época, com o lançamento de telescópios como o Hubble, que os cientistas
puderam, finalmente, ter imagens nítidas do cosmo. Com elas, perceberam que
vivemos em um universo muito mais rico e cheio de planetas do que antes se
imaginava. As novas informações indicaram a possibilidade da existência de
diversos sistemas estelares, ou seja, que outras estrelas, além do Sol, têm
planetas orbitando ao seu redor. A confirmação dessa hipótese, entretanto, só
veio em 1995, quando astrônomos da Universidade de Genebra, na Suíça,
identificaram um planeta feito de gás, como Júpiter, em volta de uma estrela, a
51 Pegasi. Assim, faz menos de 20 anos que sabemos que outros sistemas solares,
como o nosso, podem povoar o universo.
"Nossa
galáxia tem cerca de 300 bilhões de estrelas e estamos rapidamente confirmando
a noção de que todas têm planetas rochosos ao seu redor", afirma o
astrofísico Stephen Kane, da Universidade Estadual de São Francisco, nos
Estados Unidos, coautor da pesquisa que descreveu o Kepler-186f . "Resultados da missão Kepler
têm nos mostrado que, quanto menor o planeta, mais comum é sua existência. Assim,
parece-nos que planetas rochosos são muito frequentes. Ainda precisamos saber
quantos deles estão em zonas habitáveis, mas as primeiras estimativas já
mostram que o número também deve ser incrivelmente alto."
A
última conta feita pelos cientistas, publicada em novembro de 2013 na revista
Pnas, mostra que uma em cada cinco estrelas como o Sol tem pelo menos um
planeta do tamanho da Terra em sua zona habitável. Isso significa que só na Via
Láctea podem existir 11 bilhões de planetas como o nosso. Se na conta entrarem
os planetas ao redor de estrelas anãs, o número sobre para 40 bilhões. De
acordo com os autores do estudo – entre eles Geoffrey Marcy, da Universidade da
Califórnia, nos Estados Unidos, um dos “caçadores de planetas” mais
bem-sucedidos da astronomia moderna – o mais próximo pode estar a 12 anos-luz
de distância (cada ano-luz equivale a 9,46 trilhões de quilômetros).
Ou
seja, os astrônomos imaginavam que planetas como o Kepler-186f existiam aos bilhões, mas ainda não
tinham visto nenhum. A cerca de 500 anos-luz do Sol, o novo planeta orbita uma
estrela anã, o tipo mais comum em nossa galáxia — elas são mais de 70% das
centenas de bilhões de estrelas.
"Há
pelo menos um século tínhamos ideias sobre os planetas fora do sistema solar e
há mais de cinquenta anos desenvolvemos o conceito de zona habitável. Ainda não
contávamos, no entanto, com telescópios potentes para fazer os experimentos e
ter as confirmações que precisávamos sobre eles. Agora finalmente possuímos
essa tecnologia", afirma Kane. "Nos próximos anos, muitas descobertas
devem ser feitas. Só nos dados da missão Kepler há várias, aguardando para
serem reveladas."
Missões
do futuro — A sonda Kepler, que forneceu os dados para a revelação do novo
planeta, foi a grande alavanca para a explosão de novos planetas encontrados
pelos cientistas nos últimos anos. Lançada em março 2009 pela agência espacial
americana, ela tinha o objetivo principal de procurar planetas parecidos com o
nosso, durante quatro anos. Seu telescópio e um sistema de imagens em alta
definição são capazes de identificar mesmo planetas considerados pequenos, como
a Terra. Em relação ao Hubble, a Kepler tem duas vantagens: capta mais estrelas
em detalhes e faz imagens mais nítidas por possuir um filtro que diminui as
interferências luminosas e detecta diferentes cores.
Até
agora, a maior parte dos planetas revelados por ela tem um tamanho
intermediário entre a Terra e Netuno, quatro vezes maior que a Terra. A análise
das informações dos três primeiros anos da missão já identificou 3 845
possíveis candidatos a planetas. Desses, 962 foram confirmados.
Como
outras missões de busca, a Kepler tem mais facilidade em identificar grandes
planetas. Eles são mais visíveis e facilmente monitorados pelos telescópios em
regiões longínquas do cosmo. Por isso, grande parte das descobertas são de
super-Terras, planetas mais pesados e maiores que Terra, ou gigantes gasosos,
bolas de gás como Júpiter, planeta de hidrogênio com massa equivalente à de 317
terras. Lugares assim, no entanto, exibem condições menos propícias à vida — os
gigantes gasosos costumam ter uma atmosfera maciça, causando uma grande pressão
que praticamente inviabiliza a existência de seres complexos, enquanto as
super-Terras têm menor probabilidade de reunir as condições atmosféricas
necessárias para garantir a presença de vida.
Por
isso, programas espaciais em todo o mundo investem maciçamente em telescópios
potentes, capazes de captar planetas menores. Dados e imagens ainda mais
precisos que os da missão Kepler — que encerrou a primeira fase de seu programa
em 2013 e, no início da segunda fase, chamada K2, teve um problema com o
sistema que “mira” o telescópio, mas continua em atividade — virão de programas
como aquele que será lançado pela Nasa em 2017, com uma nova geração de
telescópios.
Nessa
data, irá para o espaço o Transiting Exoplanet Survey Satellite (Tess) e o
telescópio James Webb, substituto do Hubble. O Tess vai monitorar planetas ao
redor de estrelas anãs, enquanto o James Webb pretende examinar a atmosfera desses
planetas e procurar substâncias que só poderiam ser geradas por organismos
vivos, como os seis elementos essenciais à vida (carbono, hidrogênio,
nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre).
Possibilidade
de vida — Quanto mais planetas são descobertos, maior é a probabilidade de
achar planetas semelhantes ao nosso e, assim, os astrônomos acreditam que
aumente também as chances de encontrar vida em outros lugares do universo. A
definição de vida, porém, é algo complexo, que está longe de ser consenso entre
os cientistas. O estudo da vida terráquea — o único tipo conhecido até hoje —
mostrou que, apesar da grande biodiversidade terrestre, todos os seres são
similares: são feitos de células ou, como os vírus, dependem delas; usam ácidos
nucleicos como o DNA para armazenar e transmitir informação genética; e possuem
um metabolismo similar.
Mas
não é impossível a existência de outros tipos de vida espalhados pelo universo.
Afinal, mesmo a Terra guarda muitos organismos que ainda são enigmas para os
cientistas. Em 2010, pesquisadores da Nasa encontraram uma bactéria em um lago
da Califórnia, nos Estados Unidos, que se comporta como um ser extraterrestre:
não usava nenhum dos seis elementos fundamentais à existência, mas sobrevivia a
partir de arsênio, um elemento altamente tóxico.
"Sabemos
que para surgir vida é necessária uma complexidade química mínima, ou seja,
moléculas orgânicas e razoavelmente complexas, formadas a partir de elementos
básicos. Mas sua origem pode exigir algumas condições especiais. Ainda estamos
aprendendo como todos esses elementos se juntam para formar um sistema químico
autossustentado, capaz de se reproduzir e evoluir", explica Douglas
Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, e
do Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia da Universidade de São Paulo (USP).
Por
isso, os cientistas ainda procuram corpos vivos no espaço de uma maneira
“Terrocêntrica”, buscando as condições que proporcionaram o surgimento dos
seres por aqui: presença de água líquida ou moléculas orgânicas complexas.
"Mesmo
a vida que conhecemos tem uma flexibilidade imensa a diferentes situações. Não
é impossível imaginar um universo com muitos planetas, alguns mais quentes,
outros frios, porém todos com organismos capazes de lidar com essas condições.
Talvez em muitos desses planetas que estamos descobrindo as condições sejam
extremas demais para atingir a multicelularidade, ou chegar a uma civilização
tecnológica como a nossa. Mas, ainda assim, isso mostraria que a Terra não é
privilegiada em ter vida", afirma o cientista.
Um
cosmo próspero? — Quando se fala da existência de seres animados no espaço,
normalmente os cientistas imaginam formas microscópicas, como as primeiras que
provavelmente habitaram a Terra em sua origem.
"Se
houver vida, como ela funciona? Podemos estar próximo a um momento de descobrir
sistemas vivos completamente novos, novas biosferas para conhecer e explorar. É
quase como se estivéssemos no papel do naturalista inglês Charles Darwin, em 1800, a bordo do navio Beagle explorando
novas terras e toda a sua riqueza", diz Galante.
Para
a maior parte dos astrônomos envolvidos com a busca de planetas fora do Sistema
Solar, é muito improvável que, em um universo tão cheio de constelações,
planetas e sistemas estelares com condições próximas a nossa, a Terra seja o
único lugar a ter desenvolvido organismos vivos. "Sabemos agora que
planetas semelhantes à Terra são comuns na Via Láctea.
Para
nosso planeta ser o único com vida na galáxia, isso significa que a vida é algo
incrivelmente raro — uma ocorrência em 40 bilhões. Mas, mesmo que a
probabilidade seja apenas de 1 em 1 milhão de possibilidades, isso já
significaria muita vida só nessa galáxia”, afirma o astrofísico Erik Petigura,
pesquisador da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Se
essas hipóteses forem confirmadas nos próximos anos pelos cientistas, esses
alienígenas, que podem estar na iminência de serem encontrados, causariam uma
grande revolução científica, semelhante à provocada pelo astrônomo Nicolau
Copérnico, quando ele formulou, no século XVI, a teoria de que o Sol é o centro
do Sistema Solar. Teríamos de aprender que somos apenas mais um planeta — e
minúsculo — cercado de bilhões de outros com seres diferentes.
"Uma
descoberta como essa teria impactos profundos. Até o momento, o conhecimento
que temos parte da hipótese de que a Terra é o único lugar do cosmo onde a vida
apareceu e evoluiu. Se for provado que a vida é uma consequência natural da
formação de planetas nas zonas habitáveis, assim como foi provado que a
formação de planetas é uma consequência natural da formação de estrelas, então
isso significa que o universo é, literalmente, fértil em vida", diz o
astrofísico Stephen Kane. "O único desafio que permanecerá depois disso
será descobrir como atravessar as vastas distância que nos separam desses
outros seres."
Os
principais candidatos a Terra 2.0
A
500 anos-luz da nossa galáxia (cada ano-luz equivale a 9,46 trilhões de
quilômetros) e orbitando a zona habitável de uma estrela anã, esse é o único
planeta a ter o mesmo tamanho da Terra. Com isso, os cientistas estimam que ele
seja composto de rochas, ferro, água e gelo e tenha uma atmosfera parecida com
a do mundo onde vivemos. Além disso, ele tem um movimento de rotação semelhante
ao nosso, o que garante uma temperatura bem distribuída em todas as suas faces.
Essa soma de características indica que ele pode ter água na forma líquida, um
dos fatores fundamentais para a existência de vida sobre sua crosta.
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