sábado, 7 de janeiro de 2012

NATALIA GÓMEZ

Trabalhos a quatro mãos

Como os casais podem planejar projetos comuns como ter filhos, morar no exterior e comprar a casa dos sonhos

ENRIQUECIDOS Andrea e Leonardo em casa, em São Paulo. Depois de três anos na Guatemala, eles passaram dois na França (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA e llustrações: Samuel Rodrigues)ENRIQUECIDOS
Andrea e Leonardo em casa, em São Paulo. Depois de três anos na Guatemala, eles passaram dois na França (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA e llustrações: Samuel Rodrigues)

Um dólar e 87 centavos era tudo o que a jovem Della tinha para comprar um presente de Natal para seu marido, Jim. Depois de pensar, a moça tomou uma decisão radical: vendeu seus longos cabelos a fim de comprar uma corrente para o relógio de ouro do marido.

Quando Jim chegou do trabalho e viu a mulher de cabelo curto, não pôde acreditar. Ele vendera seu relógio a fim de comprar para a mulher um jogo de lindos pentes – agora, tão inúteis quanto a corrente. A história O presente dos magos, do contista americano O. Henry, ilustra alguns dos maiores desafios para os casais. Mesmo que haja muito amor, a falta de conversa pode atrapalhar terrivelmente os planos conjuntos.

Um jeito de contornar essa armadilha é conversar e organizar os sonhos do casal – desejos comuns a ambos que possam ser realizados ao longo da vida, cada um a seu tempo. Com planejamento, é mais fácil manter a disciplina financeira de longo prazo. Além dela, porém, há macetes que devem ser levados em conta na hora de planejar um sonho a dois. Em cada caso, há uma lista de cuidados específicos a tomar:

Comprar a primeira casa

Quem compra um imóvel com pouco planejamento costuma cometer pelo menos um de dois erros: ou paga muito caro na conta final, por fazer um financiamento muito longo (gasta demais com juros ao longo de anos), ou assume prestações altas demais (e difíceis de honrar a cada mês em caso de imprevistos, como perda de emprego). Comprar um imóvel a dois torna mais fácil evitar esses equívocos, porque o esforço de poupança e o pagamento podem ser compartilhados.

Embora haja grandes variações de contrato para contrato, um financiamento de 20 anos facilmente duplica o preço de um imóvel. Por isso, a maioria dos especialistas em finanças considera mais razoável dar uma entrada maior – como 40% – e fazer um financiamento mais curto, em dez anos.

Esse plano não pode levar o casal a cair no segundo erro: assumir prestações altas demais. “Se não fizer o orçamento dos gastos extras da casa nova e não pensar em imprevistos, o casal corre o risco de se endividar demais”, diz o consultor financeiro Mauro Calil.

Ele recomenda que se avalie como opção a entrada num consórcio. Funciona como uma poupança conjunta dos participantes, e não como um empréstimo – o encarecimento final do imóvel ao longo de dez anos pode ficar em apenas 20%.

Na dúvida, os casais deveriam usar o tempo de pagar aluguel como um momento para economizar mais e correr menos riscos. Essa é a etapa em que estão o publicitário Andrei Loreto e a executiva Priscilla Caselatto.

Depois de seis meses de pesquisa e de achar dois imóveis que pareciam ideais, eles decidiram adiar a decisão de compra enquanto poupam mais. “Conciliar o valor desejado com o tamanho e o bairro ideal está difícil”, afirma Loreto. “Não temos pressa. Vamos esperar mais para poder usar o mínimo possível de financiamento”, diz Priscilla.

Temporada no exterior

Eliana viveu nos Estados Unidos com o marido durante quatro anos, mas não conseguiu fazer um doutorado, por causa dos dois filhos pequenos. Só o marido conseguiu trabalhar, e ela voltou frustrada. Se pudesse voltar no tempo, diz que faria tudo diferente – ainda que sua carreira tenha sido muito bem-sucedida.

Eliana Bussinger, autora de As leis do dinheiro para mulheres, é um nome bem conhecido como orientadora financeira. A experiência que ela viveu mostra como os casais precisam tomar cuidados adicionais quando querem morar no exterior.

“Se a viagem for beneficiar apenas um dos dois, considero o projeto errado”, diz Eliana. Se um dos dois considera a viagem um sacrifício pelo outro, talvez seja o caso de refazer os planos, para que ambos desfrutem integralmente a experiência. As contas desse tipo de projeto também devem incluir a cobertura de um período sem renda no exterior e outro período no Brasil, na volta, caso não haja emprego garantido. A consultora Andrea Palma Silva e o engenheiro Leonardo Silva acreditam ter acertado na organização da ida e da volta em suas viagens.

Eles experimentaram a vida no exterior quando Leonardo foi transferido de Florianópolis para a Guatemala, em 2006. A experiência foi tão boa que, ao voltar, decidiram estudar em Paris. Prepararam-se para fazer os cursos que queriam e gastaram as economias. Chegaram a Paris em 2009, sabendo que teriam de reduzir drasticamente o padrão de vida.

“Muitos casais começam a brigar por não se adaptar à nova situação, mas entramos de cabeça”, afirma Andrea. Quando voltaram ao Brasil, em janeiro, tudo o que tinham cabia em quatro malas – e eles não estavam nem um pouco aflitos por isso. Ambos se consideram enriquecidos pela viagem.

Abrir um negócio

Ter um negócio próprio é um sonho comum. O casal que abraça esse projeto tem de pensar como um time. Um equívoco frequente, capaz de arruinar casamentos e o próprio negócio, é apenas um dos dois ver a empresa como sonho – mas, para pô-la de pé, precisar da economia dos dois. Outro problema é a mudança de ritmo de quem empreende, já que um negócio próprio exige intensa dedicação e jornadas de trabalho irregulares.

O melhor é dividir as responsabilidades. Um dos dois pode começar a empreitada, enquanto o outro garante a renda familiar estável, com ambos cientes de que 1) o ritmo de trabalho de um empreendedor tende a ser mais intenso que o de um assalariado e 2) o negócio próprio demora algum tempo para dar retorno. Essa estratégia reduz os riscos para o casal, caso o negócio não vingue. “O começo de um negócio sempre é difícil. O casal precisa estar mais unido que nunca”, afirma o consultor financeiro Caio Torralvo.

O apoio da mulher tem sido fundamental para o administrador Rafael Andrade, de 36 anos. Ele ia usar economias para comprar um apartamento, mas decidiu abrir um negócio próprio – um aviário no norte do Paraná.

Enquanto ergue a estrutura da empresa, continua no emprego. No futuro, pretende se mudar do Rio de Janeiro, onde vive, para Maringá, onde funcionará a empresa. Sua mulher, Aline Tavares, de 32 anos, é dentista e sabe que terá de ir junto, mesmo que, atualmente, não pense em trabalhar na empresa.

Os casais empreendedores ficarão mais tranquilos nessa etapa se construírem uma reserva financeira para o período de criação do negócio. Além dos recursos para a própria empresa, o ideal seria o casal ter recursos que correspondessem a 12 meses de despesas pessoais e gastos com a casa do cônjuge que se dedicará ao empreendimento.

Caso o negócio seja bem-sucedido, o outro integrante do casal pode ingressar na sociedade. Aí o problema potencial passa a ser outro: cuidar para que o relacionamento continue bem, mesmo diante dos problemas no trabalho.

Ter filho

Filhos trazem tudo em grandes doses – alegrias, preocupações e gastos. A despesa mensal de um casal de classe média costuma crescer pelo menos 15%, logo na chegada do bebê.

Alguns casais se incomodam com a ideia de planejar demais essa mudança. Eles deveriam pensar que, quanto mais despreparados estiverem para cobrir os gastos com o rebento, mais pobres estarão no momento de se aposentar, e maior a chance de que deem trabalho para filhos e netos no futuro.

Por isso, uma regra básica é não abandonar o planejamento da aposentadoria. “Se o filho precisar de crédito estudantil para estudar, vai conseguir, mas os pais não vão conseguir crédito para envelhecer”, diz a orientadora financeira Eliana Bussinger.

Um erro comum é dar atenção demais a investimentos para bancar a futura faculdade do filho recém-nascido. Se o casal puder dispor desses recursos, ótimo. “Caso entre numa faculdade pública, o filho poderá ficar com o dinheiro depois de se formar. Isso é um estímulo para ele estudar para o vestibular”, afirma o consultor Mauro Calil.

Merecem prioridade muito maior outros pontos, como um seguro de vida dos pais para proteger o filho, uma preparação financeira para custear ao menos parte dos gastos escolares e a manutenção da saúde financeira da família ao longo desse período.

Os consultores dizem que o ideal é aumentar o esforço de poupança por três anos antes de os filhos nascerem. Se acharem difícil fazer as previsões de despesas, os futuros pais devem conversar com casais de poder aquisitivo semelhante e que sejam experientes no assunto.

Após o nascimento, os pais têm de fazer escolhas mais inteligentes e menos emocionais. O consultor Humberto Veiga menciona gastos exagerados com as primeiras festas de aniversário, o enxoval e o quarto do bebê. “Muitas compras são feitas mais para os pais do que para as crianças, que nem percebem isso nos primeiros anos de vida”, diz Veiga.

Morar na casa dos sonhos

É hora de mudar – de novo. Dessa vez, o casal não se preocupa tanto com a localização do imóvel em relação ao local de trabalho. Eles querem a casa perfeita. Comprar esse imóvel requer alguns cuidados específicos.

Se houver necessidade de uma grande reforma, aceite que sua primeira estimativa de custo tende a ser superada de longe – gastos equivalentes a 30% do valor do imóvel não são raros. Um engano típico de quem faz esse tipo de mudança é subestimar os novos gastos mensais.

A conta futura precisa incluir maior gasto com transporte se a casa for mais afastada, aumento de custo de vida de acordo com o padrão da vizinhança e IPTU maior.

Alguns casais também cedem mais facilmente a pressões sociais. “Quem vai para imóvel novo quer móveis novos, carro novo porque os vizinhos têm carros importados...”, diz o orientador financeiro Reinaldo Domingos.

O ideal é ter dinheiro para fazer à vista a troca de imóveis. Pode haver um intervalo entre vender o imóvel anterior e comprar o novo. Nesse caso, a família pode morar temporariamente pagando aluguel, sem problema. O que é preciso evitar a todo custo são mudanças com pouco planejamento e pouca conversa.

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