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sábado, 14 de janeiro de 2012
15 de janeiro de 2012 | N° 16948
CAPA
Os sonhos mais lindos sonhei
Sentada nos degraus do Instituto de Educação Flores da Cunha, Elis cantou Fascinação pela primeira vez
Sentada nos degraus do Instituto Estadual de Educação Flores da Cunha, na hora do recreio, a estudante do ginásio Elis Regina tinha uma preciosidade em suas mãos: copiada em uma folha de caderno estava a letra traduzida do sucesso do momento, Fascination.
Era um presente da colega Rejane Wilke, que encontrara a versão em português em uma partitura de piano e logo lembrou da amiga cantora. Com a melodia já conhecida, Elis cantarolou pela primeira vez os versos de Fascinação que, cerca de 15 anos depois, gravaria em seu disco de maior sucesso.
Mas o futuro apenas se desenhava naqueles dias em que Elis e Rejane subiam a Rua Barros Cassal depois da aula para pegar o bonde de volta para casa na Avenida Alberto Bins. Em meio a apresentações e programas de rádio, a cantora tinha os dilemas de qualquer adolescente: queria ser mais alta e, gremista ardorosa, morria de amores por Gessy, meia-direita do tricolor.
Mas, para desgosto de Elis, a paquera não foi adiante. Um dia, a garota chegou à escola entre o choro e a raiva e desabafou com Rejane, contando que tinha ido ver Gessy jogar no Olímpico e, imagine, havia encontrado ele com outra:
– E, além de tudo, aquela guria tem mau gosto! Sabe como ela estava vestida? Com um vestido de veludo vermelho e um sapato de salto branco!
Já as implicâncias da professora de francês, Elis tirava de letra. Mesmo que a aluna tivesse facilidade para línguas estrangeiras e sempre se saísse bem nas provas orais, a mestra não se conformava:
– Para ela tudo era feio, tudo era pecado. Implicava com Elis por ela ser cantora de rádio, dizia que aquele ambiente não era para meninas educadas em um bom colégio. E Elis ria, debochada – lembra Rejane, jornalista de 65 anos, hoje radicada em Santa Catarina.
Findo o ginásio, Elis mudou para o curso normal da escola Dom Diogo de Souza, que não chegou a concluir. Para possível horror da tal mestra de francês, a jovem trocaria os estudos pela música.
Nada muito surpreendente para uma adolescente que já gozava o status de celebridade local a ponto de, lembra o radialista Glênio Reis, os ouvintes ligarem para a rádio pedindo para ouvir o hit My Love for You não na versão original, cantada pela estrela internacional Johnny Mathis, e sim na interpretação de Elis.
Fã da garota desde os tempos do Clube do Guri, Reis pode ter desempenhado um papel importante em apressar a ascensão de Elis. Ele estava em uma loja de discos, em busca de informações para o programa em que apresentava os LPs mais vendidos na semana, quando apareceu o gerente comercial da gravadora Continental, Wilson Rodrigues Poso. O disc-jóquei lascou:
– Por que não grava um disco com Elis Regina?
– Quem?
– Não conhece? É a maior cantora do Brasil.
Hoje, aos 84 anos, Glênio Reis relembra o episódio:
– Nem sei de onde tirei aquilo na hora. E nem lembrava mais dessa história até um dia ter visto o Wilson dizer em uma entrevista que o primeiro a lhe falar da Elis fui eu.
Em 1960, aos 15 anos, Elis gravou seu primeiro compacto pela Continental. Nas duas faixas, ela cantava Sonhando (versão do sucesso americano Dream) e Dá Sorte, do compositor local Eleu Salvador, que tocava muito nas rádios.
Em seguida, vieram os primeiros LPs pela mesma gravadora: Viva a Brotolândia (1961) e Poema (1962) apresentavam uma Elis ingênua e romântica, para fazer frente ao sucesso de Celly Campello, hit juvenil com canções como Estúpido Cupido. Como Elis diria mais tarde, “lançar alguém para combater alguém era uma pobreza total completa e absoluta”, e o repertório “não era de ouvir e rolar na sarjeta de satisfação”. Mas era um começo.
Não demorou, bateu à sua porta, no IAPI, o representante de outra gravadora, o jovem Ayrton dos Anjos. Elis não o conhecia, muito menos sabia que ele ficara encantado por ela desde o dia que fora acompanhar a avó no Programa Maurício Sobrinho.
– Quer gravar um disco?
– Quem tu és?
– Sou representante da gravadora Mocambo.
– Quero.
O disco jamais saiu pela Mocambo. Ayrton logo se tornaria divulgador da CBS (então Columbia) e, por intermédio dele, Elis mudaria para a gravadora de seus últimos dois discos lançados quando ainda vivia em Porto Alegre – Elis Regina e O Bem do Amor (ambos de 1963).
Mas o que aquele encontro inaugurou antes de tudo foi uma amizade, que os levou a rodopiar pela pista do Teresópolis Tênis Clube, em 1961: ela ostentando a faixa de rainha do Disco Clube, ele, exibido, dando voltas com seu par por todo o salão. Ao fim da dança, alguém perguntou a Elis:
– Como você está se sentindo?
– Como se tivesse andado de patinete.
Desde então, Ayrton seria Patinete, apelido que o produtor musical leva ainda hoje, aos 68 anos:
– Eu era louco por ela. Acabou com a minha vida e a de mais 30 caras (risos). Ela deixava os homens pensando que estava a fim, mas...
Elis chegou a ensaiar um namoro com um narrador esportivo da Gaúcha, contrariando a vontade do pai. Mas a paixonite não foi adiante. Naquele momento, Elis estava mais comprometida com a música: cantava à frente de conjuntos como Flamboyant e Flamingo e seguia fazendo sucesso no rádio.
Nos bastidores, já tinha exigências de estrela: recusava-se a cantar em corais com o elenco de cantores – não teria aberto exceção sequer para o Coral da Legalidade, convocado em 1961 pelo então governador Leonel Brizola –, só interpretava músicas que queria e, às vezes, negava-se a ensaiar. Nunca abandonou, contudo, gestos singelos que ainda hoje emocionam antigos vizinhos do IAPI.
Quando foi cantar pela primeira vez na TV, eles pediram que Elis fizesse um gesto qualquer para quem a vira crescer. Diante das câmeras, braços estendidos ao longo do corpo, a cantora ensaiava acenos disfarçados.
– E aí a gente sabia que era para nós que ela estava abanando – lembra Marisa Ramos. – E todo mundo ficava orgulhoso.
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