sábado, 14 de janeiro de 2012



14 de janeiro de 2012 | N° 1694
CLÁUDIA LAITANO


Faz de conta

Nada ilustra melhor o conceito de “suspensão da descrença” do que uma criança diante de uma boa história. O poeta e crítico literário inglês Samuel Coleridge (1772 – 1834) cunhou a expressão no começo do século 19 e até hoje ela é usada quando queremos nos referir à capacidade de uma obra de nos envolver em sua lógica interna mesmo quando contraria nossa razão.

Basicamente, a “suspensão da descrença” é o que nos faz acreditar em histórias de vampiros ou aventuras intergalácticas – e também o que nos permite viver as emoções de uma heroína russa do século 19 como se fossem as nossas.

Crianças costumam abandonar-se à ficção de forma ainda mais intensa. Quem já acompanhou as primeiras sessões de cinema de um filho ou de um sobrinho sabe com que seriedade elas vivem a angústia dos personagens. Muitos não aguentam e fecham os olhos – ou choram tanto que os pais são obrigados a sair da sala. Quando ficam um pouco maiores, bruxas e monstros começam a ficar mais toleráveis, mas o medo e o sofrimento dos personagens ainda é vivido de forma visceral.

Uma criança que se perde dos pais, uma aventura em um lugar ameaçador, uma injustiça muito grave, tudo é percebido pelo jovem espectador como se ele estivesse colado à pele do personagem. Às vezes, no meio do filme, pedem ajuda: “Será que ele vai morrer?”, “Vai achar o caminho de casa?”, “Vai conseguir provar que não é culpado disso ou daquilo?”.

A confusão entre ficção e realidade pode ser tão grande que é preciso lembrá-los de que aquilo não está acontecendo de verdade. É apenas uma história inventada, um faz de conta: a vida é outra coisa.

Na última semana, andaram circulando pelas redes sociais imagens de celebridades internacionais retratadas, bem de perto e sem photoshop, pelo fotógrafo alemão Martin Schoeller.

O plano fechado ressalta linhas de expressão, rugas e outras imperfeições na pele de personalidades que nos acostumamos a ver maquiadas e photoshopadas – como Brad Pitt, Angelina Jolie ou Barack Obama. Por coincidência (ou não) também foi notícia por estes dias um blog (celebritycloseup.tumblr.com) que reúne flagrantes de pessoas famosas sem maquiagem.

As imagens roubadas tendem ao grotesco: espinhas, rugas, olheiras, dentes amarelos. As do ensaio fotográfico preferem ressaltar a profunda humanidade de rostos conhecidos quando fotografados sem qualquer outro recurso artificial além da luz.

Os dois conjuntos fotográficos, porém, parecem cumprir a mesma função do adulto que alerta a criança para o excesso de crença na ficção: “Veja, eles são apenas pessoas como nós. Têm espinhas, rugas, olheiras, dentes amarelos...”.

Como crianças imersas em um enorme caldeirão de suspensão da descrença midiática, às vezes esquecemos o óbvio: homens e mulheres perfeitos ou eternamente jovens e felizes não existem – e a obsessão em imitá-los pode ser tão tola quanto a providência de fechar a janela para manter os vampiros do lado de fora.

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