sexta-feira, 4 de novembro de 2011



04 de novembro de 2011 | N° 16876
PAULO SANT’ANA


Esplêndida ironia

Eu levei ao extremo a minha lição de que os maridos devem morar separados para obter sucesso no casamento: passei a morar perto do Iguatemi e mandei Pablo para morar na Restinga.

Pablo, encravado na Restinga, como se encontra todos os dias comigo, só reclama.

Pablo reclama que os ônibus da Restinga têm atraso, reclama que na Restinga não existe nenhum parque igual ao inigualável Germânia, defronte à minha casa, reclama de tudo o Pablo lá na Restinga.

Mandei Pablo para a Restinga para, como colunista de assuntos gerais, ter conhecimento da via-crúcis percorrida pelas populações porto-alegrenses desfavorecidas.

Pablo se queixa para mim de que antes da metade do percurso do ônibus Restinga ele já está lotado. Reclama que os passageiros comuns não dão lugar para os idosos e para as grávidas, reclama da falta de educação dos motoristas e dos cobradores, da falta de água pelo racionamento, reclama do preço do IPTU e reclama até de que jura chover mais na Restinga do que na Bela Vista.

Insisto em manter Pablo exilado na Restinga para que ele me dê conta da diferença social entre morar na margem esquerda do Arroio Dilúvio e morar na margem direita.

Pablo me jura que quem mora na margem direita não é marginal.

O secretário estadual de Infraestrutura e Logística, Beto Albuquerque, levantou um óbice à ciclovia da Ipiranga, com a visível intenção de torná-lo incontornável: afirmou que os ciclistas correrão sério risco porque poderão ser atingidos por cabos de alta-tensão existentes às chusmas na avenida.

Não concordo com alguém que disse que Beto Albuquerque meteu seu bedelho em lugar que não lhe pertencia. Entendo que ele é secretário de Infraestrutura e Logística, portanto lhe interessa por competência a ciclovia da Ipiranga, que está sendo instalada em Porto Alegre, que, como se sabe, é capital do Estado de que Beto é secretário. Perfeito, ele podia ter-se metido no empreendimento.

Porém, a resposta melhor calhada para Beto Albuquerque quem deu foi meu colega Tulio Milman, que fala logo depois de mim no Gaúcha Hoje, na manhã da nossa rádio. Olhem a fina ironia que Tulio usou para cima do Beto: “Concordo em gênero, número e grau com o secretário Beto Albuquerque: é perigosa uma ciclovia na Avenida Ipiranga. É perigoso viver. É perigoso casar-se. É perigoso trafegar no trânsito. É perigoso andar na rua, passeando ou trabalhando. Tudo é perigoso. Como não haveria de ser perigoso andar na ciclovia da Avenida Ipiranga? Concordo, portanto, integralmente com o secretário”.

Esplêndida ironia.

Mas o argumento do secretário caiu por terra tanto quando se viu que há um século os cabos de alta-tensão jamais se derrubam sobre os pedestres e os veículos na Avenida Ipiranga quanto quando se calculou que Beto Albuquerque não está querendo que se ponham ciclovias no meio rural, ainda assim onde não haja fio de alta-tensão. Ciclovia de sucesso tem de se pôr no meio de uma cidade, de uma capital, ora bolas...

Amanhã encerra-se o prazo para inscrição no Blog do Editor, em zerohora.com, para participar do concurso Viver um dia de Paulo Sant’Ana, cujo vencedor terá seu texto publicado nesta coluna.

paulo.santana@zerohora.com.br

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