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quarta-feira, 21 de julho de 2010
21 de julho de 2010 | N° 16403
DAVID COIMBRA
O egípcio
Os antigos egípcios, mas os antigos mesmo, egípcios que se extinguiram há 20 séculos, eles diziam que comemos quatro vezes mais do que necessitamos.
E que os 75% excedentes são a causa de todas as doenças.
Por conta disso, passavam o dia ingerindo beberagens, fazendo jejum e empregando vomitórios.
Profilaxia, pois.
Se a prevenção não funcionasse, apelavam para intervenções mais sérias. Faziam até trepanações.
Tempos atrás li um romance de um escritor finlandês chamado Mika Waltari. O protagonista da história era um médico do Egito de 1.300 antes de Cristo. O personagem descrevia os tratamentos que ministrava, as poções que preparava, as cirurgias que realizava.
É um livro alentado, meio palmo de espessura. Faz mais de 20 anos que o li. Na época considerei-o supimpa, para usar um adjetivo tão vetusto quanto os egípcios. Mas a gente muda com o tempo e os livros mudam junto. As Agatha Christie e os Morris West que sorvia com sofreguidão na adolescência hoje me enfaram. Não sei se recomendaria o livro do Waltari agora, mas eu dos anos 80 o recomendo.
O fato é que a medicina egípcia funcionava no tratamento de grande parte dos males que têm solução. Para os que não têm solução, como o resfriado, os egípcios apelavam para as fórmulas mágicas, nas quais, aliás, eram especialistas. Quando a coriza começava, eles recitavam:
“Retira-te, resfriado, filho dum frio, tu que quebras os ossos, destrois o crânio, transtornas as sete aberturas da cabeça! Sai, fedor, fedor, fedor!”
Num inverno brutal desses, não custa tentar. Mas, por precaução, faça também a vacina contra a gripe.
De qualquer forma, o que queria dizer é que os egípcios já haviam desenvolvido boa medicina nos primórdios da Civilização. E não apenas a medicina. A geometria egípcia calculou o pi em 3,16. Quatro mil anos depois, nós ocidentais concluímos que é 3,1416.
Já eu aqui, apesar de ter todos esses milênios de cultura ocidental a me anteceder, apesar das aulas de matemática da professora Íria, apesar de tudo o que estudei para passar no vestibular, ainda não sei o que é mesmo o pi.
O que é mesmo o pi?
Os egípcios sabiam. Os egípcios sabiam de muitas coisas, mas o que os imortalizou de verdade, o que os transformou em uma das civilizações mais admiradas da História, o que foi?
Foi a arquitetura.
As pirâmides imortais, sim, e também as suas colunatas, os seus templos, os seus palácios. Porque eram grandiosos e arrojados. Porque eram erguidos para a posteridade. Mais até: para a eternidade.
A arquitetura, escreveu Goethe, é a música congelada. Há que ter harmonia. Há que ter ritmo. E, às vezes, há que ter imponência.
Um estádio de futebol precisa ser imponente. Precisa impressionar. Até pôr medo no adversário que nele ingressa. Mas também tem de ser belo.
Conheci estádios belos e imponentes em todo o mundo. O que mais me tocou a alma foi o Olímpico de Berlim. Pelo peso da sua história, é claro, mas igualmente por sua arquitetura. Você sente que fatos importantes aconteceram e vão acontecer naquele palco de pedra.
Agora, na África do Sul, trabalhei no mais lindo e aconchegante estádio em que já pisei. O Estádio de Durban. Além de ser um lugar agradável de se estar, é espaçoso, é grande: nele cabem 70 mil pessoas com suas malditas cornetas africanas. Ao sair do Estádio de Durban, terminado o modorrento Brasil versus Portugal, um dos colegas observou, entre suspiros:
– Será que algum dia teremos um estádio assim?
Aí é que está: a resposta é não. O Beira-Rio será reformado, o Grêmio vai erguer um estádio novinho, e não vejo, nos planos de um e outro, nada que seja realmente grandioso, realmente belo, realmente diferente, capaz de encantar o visitante e oprimir o inimigo. Não vejo, nos projetos da Dupla, nada que não vá ser coberto pelo pó da história.
E uma história breve, nada dos cinco milênios dos egípcios, nada que em 30 ou 40 anos não tenha de ser refeito, posto abaixo e esquecido. Triste e rapidamente esquecido.
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