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sábado, 10 de julho de 2010
10 de julho de 2010 | N° 16392
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES
Piadas étnicas
O Moacyr Scliar é um homem brilhante e nos enche de orgulho, porque é gaúcho. É um médico sanitarista renomado, escritor laureado, imortal da Academia Brasileira de Letras e uma pessoa extremamente amável e simpática, nosso colega aqui da redação de ZH, onde escreve regularmente.
Recentemente publicou um artigo anatematizando as chamadas piadas étnicas as quais, segundo ele, são geradoras de preconceitos e estariam até na base de genocídios que causaram tanta dor e tanta vergonha ao mundo.
Com todo o respeito – porque tenho uma admiração ilimitada por Moacyr Scliar –, ouso apresentar a minha posição discordante. Em aulas e cursos sustento que essas piadas, que fazem parte do nosso folclore, são uma espécie de enzima para metabolizar no corpo social uma situação potencialmente constrangedora.
Ou seja, para tornar palatável um fato que, sem a alegria da piada, geraria desconforto e constrangimento. Vejamos: piadas sobre índios, portugueses, gaúchos, negros, alemães, italianos, judeus e árabes. Além dessas existem piadas sobre homossexuais, maridos traídos, loiras, políticos etc.
O índio estava aqui quando o português chegou. Era o dono da terra e tratou de defender o seu espaço. Foi acusado até de antropófago (o caso do bispo Sardinha, o de Hans Staden), o que é uma baita mentira, também espalhada pelos padres jesuítas, que tinham interesse em dominar os índios. Matou-se índio a la farta, mas ele resistiu e está aí até hoje.
Temos que conviver com ele e aceitá-lo – ele é brasileiro. Então surgiram as piadas de índio. A melhor me parece esta: um indiozinho perguntou para o pai: “Pai, porque que os brancos têm os nomes tão simples – Pedro, João, Antonio – e nós temos uns nomes tão complicados?” “Porque, meu filho, quando nasce um indiozinho, o pai sai na choça e a primeira coisa que ele vê é o nome que ele dá para o filho.” “ Ah, por isso que a mamãe se chama Manhã-cheia-de-sol, o maninho se chama Tarde-Morrente-no-Horizonte, e a mana se chama Chuva-Molhando-a-Mata...?” “Claro. Entendeste, Cachorro Emendado?”
O português chegou aqui, promoveu o genocídio de nossos índios, liquidou florestas de pau-brasil, rapinou nosso ouro e pedras preciosas, fuzilou, enforcou e esquartejou nossos líderes, mas são os nossos avós e nos deram a maravilhosa língua que falamos. Para metabolizar o sangue lusitano entre nós criamos a anedota de português.
Já a escravidão é uma vergonha brasileira ancestral – então criamos as anedotas de negros e ditados grosseiros. Um lado interessante – e importante – é quando o gaúcho ri de si mesmo, contando anedotas que ridicularizam... o próprio gaúcho! Rir de si mesmo é sempre salutar. Nessas anedotas, o gaúcho aparece sempre como tosco, um tipo rude mas valente e de bons sentimentos.
(Continua
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