sábado, 17 de julho de 2010



18 de julho de 2010 | N° 16400
DAVID COIMBRA


A gente vai levando

Nós vivemos no gerúndio. Nós brasileiros. Estamos sempre fazendo, sempre chegando, estamos quase lá, espere um pouquinho, já vai.

Nunca estamos prontos. O Brasil nunca fica pronto.

É por isso que usamos tanto o gerúndio ao falar e ao escrever. Agimos como falamos; falamos como pensamos.

Os portugueses se espantam com o nosso abuso do gerúndio. É curioso: empregamos a mesma língua, a última flor do Lácio inculta e bela, como diria Olavo Bilac. Mas não a empregamos da mesma forma.

Exageramos no gerúndio e no diminutivo, e não é por acaso. Porque precisamos do diminutivo para amolentar as expectativas dos outros. Não queremos que os outros esperem e exijam tanto de nós. Afinal, vivemos no gerúndio. Estamos fazendo, estamos nos preparando, estamos indo. Calminha, queridinho.

O gerúndio invencível

Quando você liga para uma operadora de celular, por exemplo. A moça promete com aquela voz de alcachofra:

– Nós vamos estar disponibilizando.

Ela aparafusou dois verbos antes do gerúndio. O que significa isso? Significa que ela está com as orelhas entre fones de ouvido, lixando as unhas, vendo as fotos da Caras. Ela está fazendo tudo isso enquanto FINGE ouvir as suas reclamações.

Um gerúndio protegido por dois verbos é intransponível. Jamais deixará de ser gerúndio.

O gerúndio da vitória

Um amigo meu enfrenta com galhardia o gerúndio. É o seguinte: faz meses que ele cerca uma mulher casada. Trata-se de um amigo que tem preferências por assediar casadas. Diz ele que uma casada, quando se entrega, faz com que o sedutor se sinta um macho selvagem, um campeão do sexo, um príncipe das atividades interlençóis.

Porque, por ser casada, ela não está mais acostumada a noitadas tórridas, tudo para ela é tépido, tudo é cinzento e baço feito um jogo do Grêmio. Então, o meu amigo toma uma casada nos braços e faz TUDO com ela. E ela diz:

– Que homem! Não existe homem como você!

Esqueceu-se, a casada infiel, que o próprio marido dela, um dia, antes de ser vitimado pela modorra do matrimônio, também foi fogoso, também foi selvagem, também foi um campeão. Enfim.

O fato é que meu amigo está assediando há meses essa morena, alta, de pernas longas, nádegas sólidas como a defesa da Alemanha, seios agudos como um contra-ataque de Robben e, bem, você sabe que tipo de mulher. Ele tenta e tenta, e nada. Aí dia desses ele me procurou uivando de felicidade. Perguntei-lhe a razão. Ele respondeu:

– Ela disse que ESTÁ PENSANDO nas minhas propostas.

Ri: – Pô, mas então você está no gerúndio...

Ele rebateu: – Não: o casamento dela é que está no gerúndio. Sábio, o meu amigo que adora casadas.

O gerúndio de pedra

Faça o seguinte: desça a Taquari, em direção à Zona Sul. Se você olhar para o seu lado direito, verá o Cristal. Com sorte, verá também alguns cavalos de garbo e porte, cauda empinada, cabeça erguida. Mas não pare, continue.

Vá como quem vai para o Barra Shopping. Você terá que dobrar à direita no fim da rua. Neste cruzamento, vai deparar com umas obras da prefeitura. Estão sinalizadas por uns cones, um troço improvisado.

Sabe desde quando existe aquela improvisação?

Desde antes da inauguração do Barra Shopping. Há uns dois anos, portanto. Um relaxamento. Uma falta de capricho. Um gerúndio de plástico e concreto. Aquilo ali está sendo feito, está quase pronto, está saindo já, já.

Há gerúndios por todos os bairros de Porto Alegre. Aquela calçada ali precisa de reforma, a rua não tem placa que lhe indique o nome, o asfalto está esburacado, uns tijolos e uns paralelepípedos rolam pelo meio-fio. Mas não fique nervoso, a solução está sendo providenciada. Vamos estar resolvendo, garantiu a prefeitura. Fique tranquilinho aí, amiguinho.

Esse é o nosso problema para sediar a Copa do Mundo. Vamos ter que sair do gerúndio. Vamos ter que ficar prontos. Em três anos!

Não será fácil. Não é fácil mudar velhos hábitos. Não é fácil sair do gerúndio.

Nenhum comentário: