quarta-feira, 21 de julho de 2010



21 de julho de 2010 | N° 16403
DIANA CORSO


O sótão

A morte de uma paciente aumentou meu sótão. Quando ela partiu (a idade a levou), fiquei em seu velório um tempo, em pé, perdida. Não sou da família, tampouco amiga, a única pessoa ali com quem eu falaria seria ela própria. Provavelmente comentaríamos a bonita despedida que estava recebendo, mas creio que ela sabia que seria assim.

O problema é que fiquei com as lembranças que ela deixou em mim e sei que ela nunca mais vai buscá-las. É assim com meu trabalho de psicanalista: guardamos milhares de histórias, personagens, sonhos, que em geral ficam ali, empoeirados.

Não quer dizer que fico pensando nisso, aí não seria sótão, seria cristaleira: aquelas coisas que se tira o pó, usa-se em ocasiões festivas, olha-se de vez em quando. Sótão é para guardar as coisas que se tornaram inúteis, não se quer mais, mas tampouco ousaríamos jogar fora.

No último filme da série Toy Story, o menino que é dono dos brinquedos protagonistas cresceu, vai para a faculdade e precisa liberar seu quarto. O destino dos brinquedos mais apreciados seria o sótão. Por peripécias da trama eles se perdem, acabam descartados e encontram um destino feliz nas mãos de uma garotinha.

Mas há uma pequena cena que deixa claro quem é o verdadeiro sótão: a mãe do rapaz. É ela que ficará com as memórias da infância dele, as quais serão buscadas, talvez, quando ele se tornar pai. Ela entra no quarto esvaziado, olha em volta, e mesmo num filme de animação é possível perceber seu desamparo.

Provavelmente não era só o dela, era o meu que estava vendo, pois também estou com filhas crescidas, saindo das mais diversas formas. Atrás delas ficam brinquedos, livros infantis, pôsteres de filmes, cuidados maternos agora desnecessários. Definitivamente, os pais são o sótão dos filhos.

Memórias são diferentes de lembranças de viagem, álbuns de ocasiões festivas, que ficamos tentando mostrar para pobres pessoas que fingem que se interessam. Memórias são matéria de sótão, lugar destinado ao que já foi significativo, mas que não se usa mais.

Onde colocar, por exemplo, as lembranças de um casamento que acabou? São imagens e pensamentos que ficam na vã esperança, de um resgate, como os brinquedos do menino teriam ficado se fossem para lá.

Guardar tudo isso não é voluntário, nem mesmo útil, já que minha paciente não vai mais usar suas histórias e talvez meus netos nunca se interessem pelos Playmobil que encaixotamos.

É engraçado que amadurecendo costumamos nos queixar de que ficamos mais esquecidos. Deve ser porque o sótão ocupa cada vez mais espaço. Mas pobre daquele que não o tem.

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