sábado, 10 de julho de 2010



11 de julho de 2010 | N° 16393
MOACYR SCLIAR


Fazer o quê? O que fazer?

Foi pelo fazer que os americanos chegaram onde chegaram, mesmo que o modelo por eles construído desagrade a muita gente

Quando o Brasil foi eliminado da Copa, ouviram-se comentários irritados contra Dunga, contra jogadores, contra a CBF. Mas a frase mais comum foi o clássico Fazer o quê?, marca registrada do fatalismo brasileiro. Perdemos, fazer o quê? Poderia seguir-se o igualmente habitual seja o que Deus quiser, mas, considerando que o Senhor está um pouco acima das misérias do futebol, as pessoas resolveram, ao menos nesse transe, deixá-Lo em paz.

“Fazer o quê?” faz parte da tradição brasileira. Dá até título a uma composição dos Titãs, cuja letra diz: Não quero água, eu quero sede/ não quero cabeça, eu quero parede/fazer o quê, eu vou fazer o quê/ fazer o quê, o que é que eu posso fazer? e termina com um catártico F...!. Notem que nem a poderosa denominação de Titãs, que evoca os mitológicos gigantes da Grécia antiga, salvou o grupo do desamparo.

No caso, esse desamparo resulta, não do destino, mas de uma invencível compulsão. O cara que prefere a sede à água, o cara que prefere, à cabeça, a parede que vai rachar a cabeça, esse cara realmente vai se ferrar, mas não pode evitá-lo: é o seu jeito de ser, fazer o quê?

Aliás, é muito simbólico que este “quê” seja, de acordo com a ortografia de 1943, acentuado. O “que” aí não é a mera conjunção; é um termo significativo, por causa do enigma que envolve, e que resulta em desamparo para a pessoa que pergunta: “Fazer o quê?”.

Por definição, trata-se de uma pergunta sem resposta, o símbolo da resignação. Uma resignação que, aliás, até ajuda as pessoas, impedindo-as de caírem no desespero. Numa crônica, Fernando Sabino fala de sua empregada que, numa daquelas chuvaradas devastadoras, perdeu o barraco onde morava. Além do “fazer o quê?”, a mulher produziu uma reflexão consoladora: pelo menos, ela disse, não vai faltar água para a lavoura.

“Fazer o quê?” é diferente de “o que fazer?”. Neste último caso trata-se de uma questão objetiva, que exige respostas igualmente objetivas. Neste sentido, é interessante lembrar: O que Fazer? é o título de uma curta e famosa obra de Vladimir Lenin, o líder da revolução russa de 1917. Publicado em 1902, o panfleto traçava as diretrizes para a ação revolucionária: era preciso formar um partido voltado para a tomada do poder, pela violência, se necessário.

A partir daí os comunistas sabiam que caminho seguir. É claro que este caminho passava pelo stalinismo e depois chegou ao desastre; isso mostra que uma pergunta correta nem sempre se acompanha de uma resposta idem.

Mas “fazer” é o verbo. Se a indagação fosse “o que pensar?”, ou, “o que sentir?” resultaria em confusão, não em ajuda. Pensamentos e sentimentos não dependem da vontade; o fazer, sim. Além disso, pensamentos e sentimentos devem se traduzir em ação. Os americanos, sempre práticos, têm um posicionamento a respeito.

Quando alguém se queixa de coisas como tristeza, sensação de inutilidade, desamparo, um americano inevitavelmente dirá: “Do something about it”, faça alguma coisa a respeito, não fique se lamentando. Fazer, numa sociedade eminentemente pragmática, é a coisa básica. Foi pelo fazer que os americanos chegaram onde chegaram, mesmo que o modelo por eles construído desagrade a muita gente.

“Fazer o quê?” serve para o curto prazo, para o momento de perplexidade, de desamparo. Para a vida como um todo, a pergunta correta é “O que fazer?”. Uma pergunta para a qual o Brasil vem dando respostas adequadas, como mostram os indicadores econômicos. No futebol a pergunta não foi feita.

Mas a derrota ensinou-nos uma lição. Na próxima Copa, a pergunta não será “Fazer o quê?”, mas sim “O que fazer?”. E aí trata-se de encontrar técnicos e jogadores que respondam adequadamente a essa decisiva (ao menos no Brasil) questão.

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