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terça-feira, 6 de julho de 2010
06 de julho de 2010 | N° 16388
MOACYR SCLIAR
Xixi na rua
O melancólico término da jornada brasileira na Copa pode ter um efeito inesperado: com a diminuição do número de pessoas que assistem aos jogos em lugares públicos, certamente diminuirá também o número daqueles que fazem xixi na rua.
Que não são poucos. No Rio, durante os quatro primeiros jogos do Brasil na Copa, foram detidos 104 mijões. Lá, a Comlurb – Companhia Municipal de Limpeza Urbana – gasta, por mês, mais de 100 mil litros de uma mistura de água com substância desodorizante para diminuir os efeitos desse antigo e arraigado hábito.
O secretário municipal da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, acha que o problema resulta do comodismo e da falta de educação: “Outro dia, um ator foi flagrado urinando na Vieira Souto, a 50 metros de um banheiro”. Lembremos que, naquela avenida de Ipanema, o metro quadrado custa R$ 20 mil. Lugar fino para receber urina.
Só multar ou prender não é, porém, a solução. Urinar é coisa fisiológica e, em alguns casos, resultado daquilo que os textos médicos chamam de “urgência miccional”, um impulso irresistível para fazer xixi em qualquer lugar e a qualquer hora. Coisa da qual a própria administração carioca deu-se conta: no último Carnaval o prefeito Eduardo Paes fez manchetes com a introdução dos fraldões, mictórios de rua dotados de uma pequena porta com uns 50 centímetros de altura.
Não é uma defesa completa do pudor individual ou coletivo, mas é o que permite o orçamento público, sempre apertado. Há outros modelos: há algumas semanas, o Informe Especial mostrou a foto de um mictório desenhado pelo holandês Sam van Veluw, que pode ser fixado a árvores e que se destina àqueles que “urinam a céu aberto”, na bem-humorada expressão de Tulio Milman.
Invenção brasileira, invenção holandesa; talvez a batalha final seja travada, não entre o Bem e o Mal, ou entre as seleções do Brasil e da Holanda, mas entre os fraldões cariocas e os mictórios Van Veluw.
Nem todo mundo tem vergonha de urinar, ou mesmo de evacuar, em público. Na Índia, isto é, ou era, comum. O nobelizado escritor V.S. Naipaul, caribenho de origem indiana, fez uma visita à terra dos antepassados e ficou surpreso ao ver pessoas aliviando-se na rua. Pessoas que, aliás, protestavam pelo fato de o escritor estar olhando com curiosidade o que, achavam, não deveria olhar com curiosidade.
Na França da monarquia, os reis, os nobres, os ministros, recebiam as pessoas sentados num trono que era trono mesmo, no sentido humorístico do termo, uma combinação de cadeira com vaso sanitário. Quando um assessor ou súdito dizia que tinha levado uma mijada do chefe, estava, em parte, descrevendo o que tinha acontecido. Já o povo só contava com os lugares públicos: o fedor dos jardins no Palácio de Versalhes era insuportável.
Estranho? Mas tudo era, então, público: as mulheres davam à luz em meio a outras mulheres, os moribundos faleciam rodeados por dezenas de pessoas. Aí, surge a noção de privacidade, e a privada passa a fazer parte da vida cotidiana.
Em 1694, a duquesa de Orleans, que estava numa casa de campo, escreveu a uma amiga: “Você tem a sorte de poder evacuar quando quer. Eu só posso fazê-lo à noite, porque a casa não tem latrina. Preciso sair para defecar lá fora, correndo o risco de que os passantes vejam meu traseiro”.
Hoje, pelo menos, temos banheiros e fraldões. Ou seja: ao contrário de nosso futebol, a humanidade evolui.
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