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quarta-feira, 14 de julho de 2010
14 de julho de 2010 | N° 16396
JOSÉ PEDRO GOULART
Barraco e chibatadas
Tivesse nascido no Irã, Juliana Cordeiro seria condenada à morte por apedrejamento. Isso depois de ter as costas acariciadas por 99 chibatadas. Essa é a pena no Irã por adultério. Mas, como nasceu no Brasil, mora em Sorocaba, a fulana está livre de um castigo assim. Mas há outros.
Em 2006, a iraniana Sakineh Ashtiani foi condenada à punição descrita acima quando teve sua infidelidade descoberta. Atualmente, porém, a pena imposta a Sakineh conta com o repúdio de muitos – o Irã vem sendo pressionado pela comunidade internacional que tomou o episódio como exemplo da repressão que as iranianas sofrem. Corre um documento de protesto, inclusive, assinado por gente como Yoko Ono, Robert Redford, Salman Rushdie, Chico e Caetano.
No Brasil, a quizila infidelidade/punição do momento é o “barraco em Sorocaba”. Tudo começou com um vídeo feito por uma esposa traída que mostra a conversa, os gritos e os tapas que ela dá na ex-amiga (Juliana), amante do marido.
A divulgação proposital do vídeo na internet bateu recordes de visualizações, o assunto foi parar nos jornais e TVs, numa espécie de linchamento virtual. Tal linchamento, no entanto, ao contrário do do Irã, até agora não ganhou um documento de protesto. Nenhum movimento feminista, nenhuma classe organizada. Donde se depreende que o flagelo público da amante tem a aprovação de todos.
Junto às diversas postagens do vídeo, os comentários de quem assiste podem ser resumidos nas seguintes palavras: “puta”, “feio” e “bem feito”. A primeira não é necessário explicar. A segunda, remete ao fato do marido infiel não ser nenhum Brad Pitt, o que aumenta a indignação. Com relação ao “bem feito”, as próprias mulheres lideram esse tópico – provavelmente no Irã seriam as primeiras a atirar as pedras.
Neste parágrafo talvez você queira entender qual é o meu ponto, afinal. Será que estarei aqui defendendo a mulher que dentro da casa da amiga usou de artifícios pérfidos, seduziu o marido dela e com requintes de sacanagem explícita usufruiu de uma falsa cumplicidade?
A resposta é sim. Sou contra a barbárie. Seja ela no Irã, e principalmente na minha vizinhança. A internet tem sido terra de ninguém, câmeras escondidas equivalem a fogueiras medievais; denúncias anônimas há muito colaboram com a perda do senso de civilidade. Qualquer um se sente no direito de produzir um factoide. No caso de Sorocaba, há crianças envolvidas? Inocentes prejudicados?
A vingança premeditada da mulher traída contra a amante revela muito do tipo de atitude aceita como justa, crime e castigo. Na terra, no céu ou no inferno. Mas eu, por sábio ou idiota – escolha –, percebo na mão de muitos acusadores o dedo em riste da hipocrisia, esta sim veneno mortal da vida.
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