sábado, 17 de julho de 2010



17 de julho de 2010 | N° 16399
NILSON SOUZA


O beijo roubado

Quando pisei pela primeira vez numa Redação de jornal, as mulheres eram raridade no universo do jornalismo. Na editoria de Esportes, onde comecei a trabalhar, tinha apenas uma repórter entre duas dezenas de homens que transpiravam futebol o tempo todo – mas espichavam olhares desconfiados e cobiçosos para aquela jovem de olhos verdes, ex-esgrimista, que serpenteava sorrateira entre as mesas de trabalho como se estivesse, florete à mão, sempre pronta para enfrentar a indisfarçável resistência à sua presença numa atividade dominada pelos machos da espécie.

A década de 70 foi marcada pela invasão das mulheres na Comunicação. Como na canção de Chico Buarque, elas foram chegando sorrateiras e, antes que eles dissessem não, se instalaram em todas as áreas, inclusive na pequena e na grande do campo de jogo.

Lembro-me bem do espanto e dos risinhos irônicos que causavam as primeiras setoristas encarregadas da cobertura dos clubes tradicionais. Mas elas empunharam microfones e canetas – como a minha antiga colega empunhava a sua lâmina – e encararam a concorrência.

Hoje ninguém mais debocha quando aparece uma Sara Carbonero na beira do campo ou na porta do vestiário. Pelo contrário, os próprios atletas, que antes se esquivavam das perguntas inseguras e às vezes extravagantes das calouras, agora respondem com seriedade às indagações quase sempre pertinentes das mulheres do futebol.

Outro dia, numa conversa com estudantes de Comunicação, desafiei a garotada a decifrar a regra do impedimento e uma menina espevitada me deu uma aula que o próprio Carlos Simon não daria melhor.

A verdade é que as repórteres esportivas se impuseram como profissionais capazes e respeitadas, o que, aliás, as mulheres têm feito também em outras profissões. Nesse sentido, foi comovente o esforço da bela espanhola para manter a postura profissional no final da Copa.

Ela já havia entrevistado várias vezes o goleiro Casillas, seu namorado, sempre mantendo a objetividade e o distanciamento necessários para o bom exercício do trabalho. Ele, da mesma forma, sempre mantivera prudente distanciamento.

Naquele momento sublime, porém, os atores abandonaram seus papéis e partiram para o improviso. O goleiro, no seu momento de glória e emoção, deixou de lado a sobriedade, tomou a repórter nos braços e deu-lhe um beijo de desagravo.

Ela, que vinha sendo acusada de distraí-lo nos jogos, sequer teve tempo de reagir. Ficou atônita, com o microfone na mão, dizendo palavras desconexas. A entrevista estava encerrada. E quem queria saber de entrevista naquele momento em que as imagens diziam tanto?

O beijo roubado acabou sendo um fecho de conto de fadas para uma história de seres muito humanos.

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