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sábado, 10 de julho de 2010
10 de julho de 2010 | N° 16392
PAULO SANT’ANA
Crime sem cadáver
Sinto-me tentado a julgar que o goleiro Bruno é culpado, sinto-me seduzido a incorporar-me à opinião pública em geral de que ele foi o chefe da conspiração que matou sua ex-amante Eliza Samudio.
Apenas não cedo a esta tentação porque existe um aforismo milenar que diz “não haver crime sem cadáver”.
No caso de Bruno, como em outros que a ele se assemelhem, no entanto, não é tão necessária a descoberta do cadáver para consubstanciar a investigação do delito e colocar no banco dos réus todos os que concorreram para que ele se consumasse.
Há centenas de casos em que réus do crime de homicídio foram condenados sem que a polícia encontrasse o cadáver.
Sem a descoberta do cadáver, isto é, da materialidade do homicídio, há no entanto outros elementos, sensíveis e objetivos, que podem levar à culpabilidade do agente e sua responsabilização penal: há um conjunto de vestígios deixados pelo fato criminoso que, aliados a depoimentos e outros laudos e outras peças, levam à incriminação dos acusados.
Portanto, Bruno e seus comparsas podem vir a ser condenados mesmo sem o achado do cadáver de Eliza.
Mas sempre há de ficar um vazio e um constrangimento num processo de homicídio sem cadáver, como aconteceu no famoso caso de Dana de Teffé, que teria sido assassinada pelo advogado Leolpoldo Heitor, que foi submetido a júri pelo fato, no Rio de Janeiro.
Leopoldo foi condenado num primeiro julgamento e absolvido no segundo.
O mais famoso caso de homicídio sem cadáver foi o dos Irmãos Naves, na década de 30, em Minas Gerais. Os irmãos teriam assassinado um compadre, cumpriram vários anos de cadeia, depois de terem sido torturados barbaramente pela polícia, que os obrigou a confessarem o crime. Tiveram seus dentes todos arrancados nas torturas bárbaras que sofreram.
Até que depois, muitos anos após, apareceu a “vítima”, que estava viva.
Foi o maior erro judiciário de que se teve notícia no Brasil até hoje.
Depois desse caso, é que ganhou força o ditado de que “sem cadáver não há crime”.
É que antigamente era dos costumes judiciários que o juiz só desse início ao processo de homicídio quando vinham trazer à sua presença o cadáver.
Hoje, não é mais assim, pode haver homicídio sem cadáver.
Necessitasse o cadáver para configurar um crime, se um homem empurrasse para o mar uma pessoa no alto de um convés de um navio, não se poderia processá-lo por homicídio em face da ausência do cadáver que foi devorado pelos tubarões ou desapareceu no oceano?
Seria o mesmo que dizer que Ulysses Guimarães ainda vive, pois até hoje não foi encontrado seu cadáver naquele desastre de helicóptero em Angra dos Reis.
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