segunda-feira, 27 de outubro de 2008


MOACYR SCLIAR

Cinto de castidade

Ela saía muito; tinha uma vida social extremamente ativa, que incluía, segundo dizia, chás beneficentes e visitas a pobres

Empresa mineira lança lingerie com rastreador GPS. O lançamento de uma empresa mineira de modas promete resolver parte dos problemas de maridos desconfiados: uma lingerie com rastreador GPS (Sistema de Posicionamento Global por satélite). O conjunto (sutiã e calcinha) possui um localizador que permite encontrar as esposas com base na latitude, longitude e altitude. Folha Online, 21 de outubro de 2008

NA CIDADE , Mário era famoso por seus ciúmes. Como dizia um amigo literato, perto dele Dom Casmurro, o famoso ciumento de Machado de Assis, era fichinha.
Em matéria de suspeição, Mário batia todos os recordes. Alguma razão para isso ele tinha.

Luciana, a esposa, era uma mulher líndissima, sensual, e não exatamente tímida: sentia-se muito à vontade na companhia de homens, e, embora não tivesse nenhuma prova de sua infidelidade, Mário não conseguia ficar tranqüilo quando Luciana saía de casa.

E ela saía muito; tinha uma vida social extremamente ativa, que incluía, segundo dizia, chás beneficentes, reuniões em casas de amigas, visitas a pessoas pobres. Era absolutamente impossível acompanhar sua agenda, sobretudo do escritório onde Mário passava a maior parte do dia. O celular poderia resolver uma parte do problema, mas Luciana dizia que detestava "essas coisas tecnológicas".

Foi, contudo, uma dessas coisas tecnológicas que aparentemente proporcionou a Mário a solução para o problema.

Um dia foi procurado, em sua loja de roupas, por um representante comercial chamado Raul, que queria lhe apresentar produtos novos. Mário recebeu-o sem muito entusiasmo: o mostruário era absolutamente convencional. Mas então Raul pediu licença para mostrar-lhe algo sensacional: a lingerie com GPS, graças a qual o marido poderia encontrar, a qualquer hora, a esposa, mediante um serviço de satélite exclusivo da empresa.

Melhor, garantiu, que os cintos de castidade usados pelas mulheres na Idade Média, e que impediam a relação sexual mediante um complicado artefato metálico fechado a cadeado. Convencido, Mário não hesitou: de imediato adquiriu o conjunto de sutiã e calcinha, bem como o equipamento eletrônico necessário para o controle à distância.

Na mesma noite, e sem mencionar o GPS, deu de presente o conjunto à esposa, que aceitou muito contente, garantindo que, como prova de amor pelo marido, sempre usaria aquela lingerie.

A partir de então Mário começou a controlá-la. Para seu alívio, constatou que a esposa estava sempre em lugares respeitáveis: na igreja, numa creche beneficente, numa escola de periferia. Mas aí sua alegria acabou. Por causa de um telefonema anônimo: "Eu, se fosse o senhor, não confiaria no GPS. Melhor seguir sua esposa".

Irritado embora, Mário decidiu fazer isso, apenas para provar a si próprio que o fofoqueiro estava errado. Mas naquela mesma tarde viu, de seu carro, Luciana encontrar-se com um homem na porta de um motel. O homem era o Raul. Cujo satélite, obviamente, transmitia para Mário as informações falsas que ele, no fundo queria receber, como prova da inocência de sua esposa.

Mário e Luciana estão separados. Ele diz que não pretende se casar de novo. Mas se o fizer não recorrerá a nenhuma lingerie com GPS para espionar a esposa. Preferirá o velho e bom cinto de castidade.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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