quarta-feira, 15 de outubro de 2008



15 de outubro de 2008
N° 15759 - DAVID COIMBRA


Como Picasso nasceu

Pablo Picasso, quando nasceu, foi que nem o meu filhinho: não respirou. No caso do Bernardo, os médicos vieram com umas máquinas dotadas de máscaras e ficaram bombeando até que ele respirasse, o que demorou mais ou menos umas duas horas – bom, foi o que me pareceu.

No caso do Picasso, a técnica foi outra: o médico, que fumava um charuto durante a operação, soprou uma baforada na cara do recém-nascido e o pequeno Pablo, compreensivelmente, começou a chorar.

A percepção que a ciência tem do corpo humano mudou muito desde o final do século 19, como se vê. A própria idéia de o esporte ser importante para a saúde é coisa nova, e a idéia de que a preparação física seja importante para o esporte mais nova ainda. Os clubes de futebol não tinham nem técnico, no começo do século 20. O técnico era o capitão do time. O que dirá preparador físico.

No Rio Grande do Sul, o primeiro a dar valor à preparação física foi Oswaldo Rolla, o Foguinho. Mandava seus jogadores subir e descer correndo as escadarias do Olímpico com outros jogadores montados nos ombros, a famosa cacunda.

Para fortalecer a perna dos atletas, Foguinho espalhava pneus pelo campo. O jogador chutava o pneu com toda a força dezenas de vezes. Isso, em tese, fazia o chute ficar mais poderoso. Em tese.

Uma vez, um jogador do Grêmio da época, não lembro qual, me contou que, ao retornar de uma cirurgia no joelho, os médicos mandaram que ele fizesse exatamente isso: desse bicos num pneu para constatar se a cirurgia fora bem sucedida.

Hoje os médicos não empregam mais esse método radical. Mas nem toda a evolução livra a medicina de erros. Quer ver? Para disputar um Gre-Nal, jogo que exige todo o empenho, toda a concentração e toda a energia, o Grêmio entrou em campo com dois jogadores lesionados. Lesionados, sim, não convalescentes.

Tanto que um jogador, Pereira, saiu aos 10 minutos de partida, e o outro, Perea, continua parado, em recuperação, depois de duas semanas. Não era para perder o jogo?

Tomates e ovos fritos

Lembro de uma vez em que eu cobria uma viagem do Criciúma pelo Brasil. Trabalhava no Diário Catarinense. Estávamos, eu e o grande fotógrafo Ezequiel Passos, em Belo Horizonte, onde o Tigre ia pegar o Atlético Mineiro.

Timaço, o Atlético. Tinha Toninho Cerezo, Nelinho, João Leite e outros de igual quilate. No dia do jogo, flagrei uma discussão de dois jogadores com o médico do clube.

– Eu quero com semente! – pedia o jogador, meio choroso. – Com semente, não! – o médico batia o pé. – Eu gosto de frito! – reivindicava o outro jogador.

– Frito, não! – negou o médico.

Quando os jogadores se foram, perguntei ao médico que era aquilo, afinal. O médico contou que havia vetado o ovo frito e a semente do tomate nas refeições dos atletas.

A semente do tomate, segundo ele, não é boa para a digestão. Não sabia disso. Já o ovo frito, isso todo mundo sabe, médicos odeiam ovo frito, embora um ovo frito com gema mole e clara dura, ah, esse ovo, posto sobre um pequeno monturo de arroz branco...

Pensando melhor, não apenas um ovo, nem mesmo dois, mas três ovos fritos, eles todos deitados sobre o tal monturo de arroz sequinho e fumegante, se a gente toma o garfo e fere delicadamente as gemas dos ditos cujos, elas, as gemas, derramar-se-ão lânguidas sobre o morro branco do arroz e aí há que se misturar tudo com critério e então levar uma garfada à boca e oooh, que delícia.

Vou dizer uma coisa que fiz agora mesmo, enquanto estava pingando uma exclamação no fim do último parágrafo. Fiz o seguinte: levantei a cabeça aqui na Redação e disse para a turma:

– Caras, preciso comer um arroz com ovo frito neste momento!

E ninguém soube me informar onde, afinal, eu poderia comer um arroz com ovo frito em Porto Alegre durante um entardecer de primavera.

Mas o que queria dizer ao contar essa história é que, por mais que aprecie um ovo frito e um tomate com todas as suas sementes, espantei-me com a reação mimada dos jogadores do Criciúma naquele dia d´antanho.

Eis o busílis: os jogadores de futebol, que há poucas décadas não tinham nem preparador físico e técnico à disposição, transformaram-se em bibelôs com alimentação controlada como a os cavalos do prado, que só aceitam primeira classe e hotel cinco estrelas e que mal sabem assinar um cheque.

São quebradiços, os jogadores do século 21. Por isso, colocar dois deles voltando de lesão numa partida como o Gre-Nal é tão arriscado. Mas...

Sempre tem o mas

O mas é que é importante, neste caso: mas se o Grêmio tivesse perdido o Gre-Nal por 1 a 0, nada do que aconteceu depois aconteceria. Uma derrota simples não causaria ruptura. O time não mudaria em seis posições, os jovens Felipe Matttioni e Douglas Costa não seriam escalados, Morales e Thiego continuariam no banco e o Grêmio não se recuperaria, como se recuperou.

Ironia: se o Grêmio for campeão, será graças à goleada no Gre-Nal.

Leia o blog do David em www.zerohora.com

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