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sábado, 18 de outubro de 2008
Mirian Goldenberg
"A mulher de 50 quer ser desejada"
A autora de Coroas afirma que as brasileiras sofrem quando deixam de ser paqueradas nas ruas
Martha Mendonça
Como a mulher de 50 anos se enxerga hoje? Para responder a essa pergunta, a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entrevistou brasileiras, alemãs e espanholas.
O resultado dessa investigação chega às livrarias na próxima semana sob o título Coroas. Estudiosa de gênero e corpo, Mirian já lançou livros provocadores como A Outra, Infiel e O Corpo como Capital.
Seu novo trabalho mostra que as mulheres de 50 anos se equilibram entre duas forças: de um lado, há o peso dos anos. De outro, a conquista da liberdade – inclusive a de não ter obrigação de provar nada. Para Mirian, as mais realizadas são aquelas que não deixam o tempo atropelar os projetos individuais – e as que gostam do corpo, com suas imperfeições e mudanças.
ENTREVISTA - MIRIAN GOLDENBERG
QUEM É
Nascida em Santos, São Paulo, mora no Rio de Janeiro, é doutora em Antropologia Social, tem 51 anos
O QUE FAZ
É professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
O QUE PUBLICOU
Toda Mulher É Meio Leila Diniz, Os Novos Desejos, O Nu e o Vestido, De Perto Ninguém É Normal, Infiel, A Outra, Notas de uma Antropóloga e O Corpo como Capital
ÉPOCA – O que vai pela cabeça de uma mulher de 50 anos hoje?
Mirian Goldenberg – As questões que mais preocupam as brasileiras são a decadência do corpo e os homens. O corpo aparece de duas maneiras: problemas de saúde como artrites e dores na coluna e, especialmente, com relação à aparência.
Essas mulheres não são mais jovens e raramente são magras, ficando longe do padrão valorizado – o que constitui um problema.
Em relação aos homens, as solteiras ou separadas queixam-se das mesmas coisas das de 30 ou 40 anos: a dificuldade de encontrar parceiro. Dizem que os interessantes estão casados. As casadas queixam-se das faltas de seus maridos – falta de sexo, de companheirismo ou de dinheiro.
ÉPOCA – Nenhuma está satisfeita?
Mirian – As mais satisfeitas são as casadas há muito tempo, que já passaram pelas cobranças dos papéis de esposa e de mãe, e vivem, com mais liberdade e prazer, a relação com o companheiro. São raras, mas encontrei algumas. Elas se queixam menos da idade e usufruem o momento com mais liberdade para “ser elas mesmas”, como me disseram.
ÉPOCA – Como elas lidam com a sexualidade, sejam solteiras ou casadas?
Mirian – Uma queixa recorrente que encontrei, aqui no Brasil, foi o tratamento de “senhora” e também o fato de não serem mais paqueradas na rua.
Elas gostariam de continuar a ser chamadas de “gostosa”, sentem falta de os homens não olharem mais para seus corpos. Essas mulheres continuam querendo ser desejadas – mais até do que desejam o sexo em si. Isso vale tanto para as solteiras quanto para as casadas.
Foi interessante observar que algumas mulheres disseram que se sentem mais livres sem um homem, por não terem que satisfazer o desejo masculino. Disseram estar cansadas de fazer sexo, que com a idade vem também a libertação dessa obrigação.
ÉPOCA – Qual é a importância do casamento na vida dessa mulher?
Mirian – Eu criei o conceito de “capital marital” ao descobrir que ter um marido é considerado um verdadeiro bem para as mulheres de mais de 50.
As casadas sentem-se duplamente poderosas: primeiro, por ter um marido num mercado em que ele é cada vez mais raro. Segundo, porque acreditam que o marido depende delas, afetiva e psicologicamente. É algo que as faz sentir importantes.
“Ele não sabe fazer nada sem mim” ou “Ele me liga 20 vezes por dia” são frases que muitas repetem. Numa cultura como a brasileira, em que o valor feminino está atrelado à figura masculina, num universo em que a mais importante forma de reconhecimento é ser desejada por um homem, “o marido” é um capital extremamente valorizado e a prova definitiva do sucesso feminino. Sua ausência é vista pela maioria como fracasso. Mesmo que o casamento, na prática, não seja feliz.
ÉPOCA – Elas têm preconceito em relação a homens mais jovens?
Mirian – Isso está mudando. Muitas ainda têm medo de assumir uma relação com homens mais jovens porque temem a opinião dos outros ou têm medo de ser abandonadas no futuro.
Quanto mais capital tem uma mulher, quando não investe apenas no corpo e na sexualidade, mais é livre para assumir ou não assumir relações das mais diferentes maneiras. Nesse sentido, a velhice está sendo reinventada por toda uma geração de mulheres que não aceitam mais as classificações que lhes são impostas socialmente.
Criei o conceito de ‘capital marital’ ao descobrir que ter um marido é considerado um verdadeiro bem para as mulheres de mais de 50
ÉPOCA – Há medo da solidão, mas, ao mesmo tempo, sensação de liberdade?
Mirian – Sim. Não imaginei encontrar a extrema valorização da liberdade que encontrei. Muitas mulheres me disseram que esta é a fase da vida em que se sentem mais livres.
Depois que passaram por todas as obrigações, como cuidar do marido, dos filhos, muitas vezes fazer sexo sem vontade, elas dizem que podem, pela primeira vez na vida, ser “elas mesmas”, ter os próprios projetos, cultivar as amizades, ter mais prazeres.
Outro fato que me surpreendeu é que elas quase não falam dos seus trabalhos, filhos ou netos. Falam muito sobre o próprio corpo, o marido (ou a falta dele) e as amizades. Eu imaginava que o trabalho e a família teriam um peso maior na vida dessas mulheres, mas isso quase não aparece em seus depoimentos.
ÉPOCA – No que as mulheres brasileiras diferem das alemãs de 50 anos que você pesquisou?
Mirian – As alemãs não estão tão preocupadas com o corpo, a aparência e muito menos com a falta ou ausência dos homens em suas vidas.
Elas se preocupam muito mais com a realização profissional, com o poder que conquistaram, com o respeito que sentem por sua inteligência, idéias, personalidade. As alemãs me pareceram muito mais ligadas à qualidade de vida que conquistaram.
Casa, viagens, amizades, programas culturais. Não se sentem velhas, mas mais maduras, seguras, confiantes. Não parecem ter medo da solidão e a liberdade é algo extremamente valorizado, não apenas aos 50, mas desde sempre.
Acham falta de dignidade uma mulher querer ser mais jovem do que é. Também não se preocupam em ser sexy. Parecem muito mais poderosas que as brasileiras. No Brasil, observei mulheres poderosas objetivamente, mas aparentando ter uma subjetividade “miserável”, sentindo-se menos “capitalizadas” por estar envelhecendo. Lá, não percebi esse descompasso.
Aqui, o envelhecimento é vivido como um momento de perda de capital do corpo e da sexualidade. Lá, como um momento de colheita.
ÉPOCA – Que tipo de mulher costuma ter mais problemas com o envelhecimento?
Mirian – As que só olham para o que estão perdendo. As que se comparam às mulheres de outras faixas etárias ou a si mesmas no passado. As que se agarram aos modelos preconcebidos do que deve ser uma velha.
ÉPOCA – Quando é que a mulher de 50 anos é mais feliz?
Mirian – Quando tem um projeto próprio que não começa aos 50, mas muito antes. Quando percebe o envelhecimento como uma continuidade desse projeto e não como uma ruptura ou como um momento de mudanças. Quando não aceita as classificações e os estigmas sociais e faz da própria vida uma permanente invenção.
Quando gosta de seu corpo com suas imperfeições e mudanças. Quando não se paralisa ou quer imitar modelos de corpo, comportamento e desejos dos mais jovens. Quando não tem preconceitos ou modelos muito rígidos de ser homem e ser mulher, ser velho e ser jovem.
Quem sabe a geração dos anos 60, que reinventou a sexualidade, o corpo, as novas formas de conjugalidade e de casamento, as novas famílias, as novas formas de ser mãe e pai, vai também inventar uma nova forma de envelhecer?
É uma geração que pode optar por não se aposentar de si mesma. Que não aceitará uma identidade coletiva que sempre rejeitou e contestou.
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