quinta-feira, 16 de outubro de 2008



16 de outubro de 2008
N° 15760 - LETICIA WIERZCHOWSKI


Considerações fantasmagóricas

Sou fã do americano Phillip Roth e li todos os seus livros que têm como protagonista o personagem Nathan Zuckerman, desde a novela onde Roth nos apresenta um Nathan jovem e ainda inédito –

que vai fazer uma visita a Lonoff, um escritor recluso, e se apaixona por Amy Bellete, jovem estudante com quem o mestre mantém um caso – até o último romance publicado no Brasil,

O Fantasma Sai de Cena, no qual o personagem de Zuckerman, já velho, famoso e doente, volta a Nova York e, entre outras coisas, acaba reencontrando a mesma Amy lá daquela primeira novela.

Ler um livro de Roth é uma experiência que recomendo. Meu predileto talvez seja A Marca Humana. Agora que Zuckerman saiu de cena, confesso que estou órfã.

Ainda há pouco, quando dei por mim mesma falando ao celular no meio de uma caminhada, lembrei de Zuckerman e do seu espanto ao retornar a Nova Iorque depois de mais de uma década no campo e ver as pessoas falando ao celular em todos os lugares, o tempo todo.

Pois Zuckerman me fez desligar o telefone e relegá-lo ao fundo do meu bolso, lugar de onde não deveria sair sem motivo justo. Afinal, concordo com Zuckerman: essa mania de intercambiar momentos é que vem nos matando. Essa coisa de querer fazer tudo ao mesmo tempo.

Marcar consulta no médico no meio da caminhada, e, dias mais tarde, na sala de espera do médico, marcar uma reunião que será fatalmente interrompida por outro telefonema, e assim por diante, até que nenhuma coisa será dissociável de outra, e viveremos todos à beira da loucura.

“O que as pessoas têm tanto a dizer?”, é o que Zuckerman se pergunta ao caminhar por avenidas e corredores de supermercado, entrar em restaurantes e saguões de hotel.

Todo mundo sempre ao telefone, falando o quê? Faz pouco, não existiam os celulares e todo mundo vivia perfeitamente bem. Hoje, vejo meninos de nove anos andando pelos corredores do colégio falando ao celular.

Quando eu tinha nove anos, instalaram um telefone fixo na minha casa, e liguei correndo para a Lisiane, a minha única amiga com telefone naquele tempo. Lembro que nos dissemos oi, pasmas de espanto e de emoção, sob o olhar atento da minha mãe.

Mas foi apenas um oi – telefone, há 30 anos, era assunto sério, e Zuckerman podia andar pelas ruas de Nova York ocupando sua mente com outras considerações.

Mas Zuckerman não renderá outras páginas, e os celulares seguem tocando pelo mundo todo, todos os dias, a todo momento. Mau sinal.

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