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sexta-feira, 17 de outubro de 2008
17 de outubro de 2008
N° 15761 - DAVID COIMBRA
Compaixão
Contaram-me a história do Seu João, dias atrás, e desde então tenho pensado no que ouvi. Conheci o seu João. Trabalhava como zelador de um prédio em que morei, há alguns anos. Um homem de uns 60 anos, quieto e cordial.
Vivia sozinho no apartamento que o condomínio lhe havia cedido. Seu João não tinha família, nem amigos fora do edifício. Estava sempre lá, dia e noite, de segunda a segunda.
Um dia, a síndica decidiu que o prédio não precisava mais de um zelador fixo e o demitiu. De um golpe, seu João ficou sem o trabalho, sem a casa em que morava e, provavelmente, sem todas as pessoas com quem travava relações minimamente amistosas.
Comunicado da demissão e do despejo, seu João recolheu-se no fim da tarde ao pequeno apartamento que teria de deixar em determinado prazo. De lá não mais saiu. Naquela noite, ele morreu do coração.
É claro que a síndica não tem culpa alguma pela morte do seu João, e é claro que ela devia ter sólidas razões para demiti-lo. O que me espantou foi como reagiram algumas pessoas quando lhes contei a história e disse-lhes qual era a minha conclusão.
Supus que a demissão provavelmente foi abrupta e imaginei se o condomínio não poderia ter feito uma proposta intermediária ao velho zelador. Bem. Essas pessoas a que me refiro acharam que a síndica não teria de fazer nenhuma concessão ao seu João. Que, se ela concluísse, como concluiu, que a demissão devia ser sumária, tinha de demiti-lo sumariamente, como demitiu.
Repito: não estou criticando ou julgando a síndica, até porque ela pode muito bem ter procedido da maneira como eu considerava correta. Estou criticando e julgando a reação dessas pessoas, que, inclusive, nem foram tantas assim; foram duas. É que esse tipo de reação representa uma postura bastante característica do nosso tempo.
Representa a falta de compaixão.
Nos casos de demissão isso é ainda mais flagrante. Não são poucos os chefes, chefetes, executivos e administradores que conheço que se orgulham de demitir gente. Empinam o nariz e suspiram:
– Às vezes é preciso ser duro. – Fiz o que devia ser feito.
E quando alguém sofre um acidente ou se dá mal por algum motivo o que mais se ouve é:
– Também... Ele mereceu! As pessoas sempre encontram justificativa para não ter compaixão.
Na sessão de autógrafos dos meus livros Cris, a Fera e Meu Guri, terça-feira, uma leitora se aproximou e disse algo que me enterneceu:
– Eu percebo que tu és uma pessoa boa.
Não que eu seja tão sensível a elogios, nem que concorde com a gentil leitora, mas não conheço nada mais belo para se dizer a alguém.
Você é uma boa pessoa. É o mesmo que dizer que essa pessoa tem compaixão. Gostaria de realmente ter compaixão. Gostaria de que realmente houvesse mais compaixão por ai.
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