segunda-feira, 13 de outubro de 2008



13 de outubro de 2008
N° 15757 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Werther

A simples leitura deste título lembra o início do Romantismo, o livro de Goethe, mais a onda de suicídios provocada por ele; lembra uma paixão amorosa sem limites, lembra a morte. Para os mais melancólicos, evoca a perpétua oposição Eros-Tanatos. Enfim: sobre o Werther há milhares de obras, teses, artigos, conferências. É um clássico.

Como todo clássico, não enseja apenas uma leitura, essa do amor não-correspondido, leitura de superfície e óbvia. O jovem Werther nos diz mais, em seu amor e seus patéticos ciúmes por Charlotte.

No fundo, esse romance [constituído por cartas, segundo a moda], discute o contraste entre o desejo humano e a sociedade em que esse desejo se expressa. Pensemos: Werther é um moço ilustrado; é um moço sensível.

Ele tem um amigo, a quem destina as cartas, tornando-o um confidente malgré lui, e pior: utilizando-se dele para despejar seus íntimos percalços. Entendamos a extrema juventude do protagonista: ninguém é culpado de ser jovem.

É inegável, entretanto, que Werther deixa-se conduzir pela emoção mais rasa e cega, e nisso se esquece de seu compromisso original de pertencimento à espécie humana que só subsiste como entidade social harmônica. Nesse sentido, Werther, mesmo a contragosto e com caráter naif de sua personalidade, é uma perfeita anomalia.

O desfecho do caso, pela eliminação de uma das partes do casal, soa como uma perda que todos sofremos. Tudo o que veio depois de Werther padece dessa amargura.

Todos nós, de alguma forma, sofremos uma diminuição com o trágico gesto de Werther. Isso nos abala, mas dá-nos uma certeza: a de que esse romance nos fez regredir séculos em termos de uma melhor compreensão de nossa própria natureza.

Com sua erupção romântica, com sua genialidade intrínseca e absoluta, com a eminência incontestável de sua literatura, Goethe veio destruir o que o Iluminismo construíra no século 18 [pois ninguém do século 18 teve o talento de Goethe].

Antecipando-se à época em que vivia, ele criou condições para a vinda do século 19, o mais banal e tolo dos séculos, que nos deixou como legado o trem de ferro e o telegrama.

Vivo fosse, Goethe estaria a lamentar-se do estrago provocado pelo seu livro que, afinal, não passou de um divertimento de seu espírito juvenil. Mais tarde ele escreveria o Fausto, redimindo-se por completo.

E o Werther é hoje um curioso e fascinante item da arqueologia literária, leitura indispensável a quem deseja saber como funciona o mundo das emoções tão exacerbadas quanto egoístas e ruinosas.

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