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sábado, 18 de outubro de 2008
19 de outubro de 2008
N° 15763 - VERISSIMO
O destino e o sapo
Goleiro não é uma posição, é uma danação. As pessoas estão fadadas a jogar no gol no sentido trágico, português, de fado. Mas não é verdade que ninguém escolhe ser goleiro. O futebol, como a literatura, está cheio de exemplos de pessoas que optam por um destino trágico.
Algumas desde criança. Foi o caso do Osmar, que desde pequeno pedia para ficar no gol. O comum, nas peladas, era ruim ir para o gol. Mas nunca se soube se o Osmar era bom ou ruim jogando na “linha”, como se dizia. Ele sempre preferiu o gol. Mesmo depois da primeira bolada na cara, continuou no gol. Mesmo depois do primeiro frango humilhante, continuou no gol.
O Osmar não queria apenas ser goleiro. Queria todos os riscos, todas as conseqüências, todo o drama de ser goleiro. Queria o gol e o seu universo único. Inclusive o ridículo e os dedos quebrados.
E tornou-se um goleiro profissional. Dos bons. Tinha altura, tinha agilidade, tinha coragem e tinha, acima de tudo, uma índole filosófica. Pois de nada serve a um goleiro uma defesa extraordinária ou um vexame espetacular se ele não os encarar como uma lição – não a um goleiro, mas à Humanidade.
Osmar odiava quando chamavam uma das suas defesas de “milagrosa” ou uma das suas falhas de “azar”. Não havia milagres, não havia azar, não havia intervenção de terceiros. Era sempre o Homem só contra o seu destino.
Um dia, numa conversa com Loló, o Osmar comentou:
– O Camus era goleiro. – Quem? – Albert Camus.
Loló era o massagista do time, assistente de treinador e confidente dos jogadores. Nunca tinha ouvido falar naquele goleiro, e olha que conhecia todos. Em que time ele jogara? Mas o Osmar era assim. Lia muito, e dizia muitas coisas que o Loló não entendia. Camus dizia que a única questão filosófica era o suicídio – continuou Osmar.
– Mas eu acho que ele se enganou. – Ah, é?
– A única questão filosófica é o pênalti.
Para Osmar, no pênalti o goleiro, logo a Humanidade, se defrontava com seu destino. Cara a cara. Mas nada estava escrito. Nada estava préordenado. A Humanidade decidia para que lado ia cair.
Na condição humana reduzida a três elementos – o batedor do pênalti, o goleiro e a bola – o que ia acontecer não estava desenhado no chão desde sempre. Como na situação extrema de Camus, o Homem tinha o domínio da sua vida. Podia puxar o gatilho ou não. Podia escolher o lado.
Foi por isso que deu a briga entre o Osmar e o Loló depois do jogo em que o Osmar levou três frangos terríveis no segundo tempo e o time perdeu de três. Frangos antológicos, arrasadores. O Loló chegou com a notícia de que tinha descoberto a causa da derrota.
Tinha investigado e cavado e era como ele pensava: sapo enterrado atrás do gol do Osmar no segundo tempo. Enrolado em fita vermelha com três alfinetes espetados na cabeça, um para cada gol. Feitiço, macumba, trabalho, tudo explicado.
Osmar reagiu com violência. Mandou o Loló jogar o sapo fora e não contar para ninguém que o tinha encontrado.
– Mas Osmar, o sapo vai salvar a sua carreira!
Os três gols tinham sido mesmo de acabar com a carreira de qualquer goleiro. Num, o Osmar largara a bola dentro do gol na hora de arremessá-la para frente. No outro chutara na nuca do seu próprio zagueiro e ela entrara no gol por entre as suas pernas.
No terceiro, escorregara e caíra sentado enquanto a bola passava por sobre a sua cabeça. Mas o Osmar não quis saber de culpar o sapo. O sapo simbolizava a intervenção de terceiros na sua forma mais primitiva. O Loló não entendia?
O sapo roubaria de Osmar o significado do seu sacrifício. Salvaria sua carreira mas desmentiria a grandeza que escolhera ao pedir para jogar no gol e se sujeitar a tudo, até ao vexame definitivo. O sapo transformava o goleiro, o destino, a Humanidade e o seu poder de decisão diante do nada em nada.
O Loló incinerou o sapo e não falou mais nisso. Mas não entendia mesmo. Futebol era coisa simples. Mandinga era coisa simples. O mundo era coisa simples. Complicado era goleiro. E olha que conhecia todos.
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