quinta-feira, 28 de abril de 2022


28 DE ABRIL DE 2022
RODRIGO LOPES

A República do sigilo

Países que passaram por grandes traumas, como Alemanha e África do Sul, só alcançaram maturidade social após penosa depuração histórica. Nazismo e apartheid não foram para debaixo do tapete. Cada nação, a seu modo, colocou o dedo em suas feridas, mergulhou em um umbral para emergir, se não em paz, ao menos mais evoluída. Reconciliar-se consigo, como ser humano ou como sociedade, não significa concordar com o passado, mas reconhecê-lo.

O Brasil não se reconciliou com sua História porque desconhecemos os processos que calcaram a desigualdade endêmica, o racismo estrutural, o papel das Forças Armadas e os crimes cometidos contra a própria população. A Lei da Anistia perdoou um lado e outro. Fosse diferente, acredita-se que a redemocratização não seria possível. Jogamos a sujeira para debaixo do tapete.

A Constituição de 1988 abriu caminho para a Lei de Acesso à Informação (LAI), só sancionada 23 anos depois. Ironicamente, um de seus artigos, o 31º, é utilizado agora para subverter o princípio da legislação. É desse artigo, criado para proteger dados pessoais, vida privada, honra e imagem de pessoas, que, a torto e a direito, o governo federal tem lançado mão ao decretar sigilo de até cem anos sobre fatos que lhe são desgostosos. Um dos primeiros casos foi o processo do Exército que não puniu o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por participar de ato político. 

O mais recente veio há pouco mais de uma semana, quando o general Augusto Heleno, comandante do GSI, impôs um século de segredo sobre os registros de entradas no Planalto de uma série de pessoas, incluindo dois pastores investigados por suspeita de corrupção no Ministério da Educação. Na República do sigilo, o governo impôs sigilo até sobre informações da viagem de Jair Bolsonaro à Rússia de Vladimir Putin dias antes do início da guerra.

Diante de uma lei em que o padrão seria divulgar a informação, a ordem tem sido, a priori, dizer não. E isso está tão naturalizado no Brasil, que, quando perguntado por um internauta, em redes sociais, o presidente fez piada: "Em 100 anos saberá".

Saberemos, mesmo. E será graças a trabalhos corajosos de historiadores como Carlos Fino, da UFRJ, que está compilando os áudios das audiências do Superior Tribunal Militar (STM) que comprovam o conhecimento da Corte sobre a tortura na ditadura militar.

O Brasil precisa passar a limpo sua História, esmiuçar esse gigante que insiste em permanecer nas sombras. Não sei se, ao fazermos isso, nos tornaremos uma nação desenvolvida. Mas terapia ensina que é preciso encarar os esqueletos no armário para não repetir modelos do passado. Quem sabe, com um corpo social doente também seja assim. Porque, na vida privada ou como sociedade, se nada for feito, um dia, a fatura chega.

INTERINO

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