terça-feira, 26 de abril de 2022


26 DE ABRIL DE 2022
NÍLSON SOUZA

Cabeças de ovo

De saída, reivindico a legitimidade do meu lugar de fala para tratar deste assunto que, em outras circunstâncias, até se poderia chamar de cabeludo - mas, por óbvio, não o é. Refiro-me ao tratamento dispensado pelo deputado Daniel Silveira ao ministro Alexandre de Moraes numa de suas assacadilhas contra a Corte Suprema. Na ocasião, o parrudo parlamentar sugeriu que "o povo entre no STF, agarre Alexandre de Moraes pelo colarinho, sacuda a cabeça de ovo dele e o jogue numa lixeira".

A bravata devidamente alcunhada tinha lá a sua graça, tanto que a representante do Ministério Público e o próprio ministro agravado não seguraram o riso durante a leitura da acusação no julgamento que sentenciou o parlamentar, na semana passada. Depois, a palavra "graça" ganhou outra conotação, virou decreto presidencial e provocou o maior quiproquó jurídico da história recente do país. Para ficarmos no tema, os togados estão arrancando os cabelos para encontrar uma saída. Aqueles que os têm, evidentemente.

Nós, os capilarmente desprovidos, aprendemos cedo a nos defender do deboche dos peludos:

- A pior calvície é a de ideias! - eu mesmo costumava dizer quando um amigo mais engraçadinho apelava para a pelagem. Com o tempo, porém, aprendi a conviver pacificamente com meu telhado de vidro e a me inspirar na serenidade de alguns alopécicos ilustres. O antigo ator Yul Brynner, por exemplo. Ganhou Oscar e virou modelo universal de beleza masculina.

Mas não precisamos voltar tanto no tempo para constatarmos que cabelo não é documento. Veja-se os jogadores do basquete norte-americano. Quanto menos melenas, mais cestas de três pontos. E os nadadores? Alguns campeões extraem até os pelos das orelhas. Mesmo sem a idealizada cobertura capilar, atores, futebolistas, escritores, filósofos, professores e até personagens de desenho animado brilham literalmente em suas atividades. Nossa categoria está bem representada em todas as áreas. Tem até príncipe careca. Tem vilão também, sou obrigado a reconhecer. Basta lembrar o repulsivo Lex Luthor, obcecado por acabar com os super-homens bem-penteados e com o restante da humanidade, ou Lord Voldemort, perseguindo o descabelado Harry Potter.

Podemos, sim, virar feras. Mas não vale a pena. É perda de tempo ficar procurando pelo em ovo.

NÍLSON SOUZA

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