16 DE ABRIL DE 2022
BEM-ESTAR
A PERCEPÇÃO DAS PALAVRAS
As palavras carregam sua história, seus significados, mas para cada um de nós elas trazem um sentimento, uma conotação e mexem de uma forma particular no nosso emocional.
Existe uma estranheza nas palavras, no que elas escondem. Como uma flor selvagem e rara, um animal à espreita que se deixa entrever, mas não se revela enquanto não sente confiança e intimidade.
Existe uma beleza de assombro nas palavras, quase um susto que nos intimida diante da força desse esplendor. Existem dores, tragédias, ofensas, segredos que se ocultam, existem vozes que sussurram juntas em cada palavra. Mesmo quando elas são solitárias, esquecidas em algum banco de jardim, em volta de cada palavra esvoaçam sentidos, como borboletas invisíveis. Circulam fantasmas, sombras, medos.
Com palavras, formamos nossos pensamentos, tentamos traduzir sentimentos, explicar nossas razões, compreender o intrínseco e complexo da natureza humana. E mesmo assim as perdemos, elas evaporam diante de nós e somos abandonados sozinhos numa estrada que nunca alcança o invisível, impalpável, o éter das palavras.
A metafísica do mundo busca palavras. A concepção do mundo precisa delas. O desejo de explicar o inexplicável, o inenarrável, o que existe dentro ou fora de nós e que não está em nenhum lugar.
Caminhamos no deserto das palavras e não há direção possível. Não há mapa e nem mesmo as estrelas nos orientam. E vamos enfrentar o que vier, cavar com as mãos na areia, tentar abrir túneis submersos, passagens subterrâneas, recuperar o oculto, manuscritos antigos que se dissolvem ao contato da luz.
As palavras são feitas dessa matéria sem nome e atravessam o tempo. Passam por gentes e gentes e gentes e se modificam sem perder a essência, aquilo que são no cerne, no ponto mais profundo, onde não se chega.
No fundo do conceito da palavra existe uma ética, uma beleza que se transforma conforme quem a toca e nem sempre se entrega a quem a pronuncia.
Tem o orgulho de ser entidade, verbo do divino. E desde o início era o verbo. Por isso exige imensa devoção. Exige mergulho, prostração.
Quem quer tocar a palavra, mesmo que não alcance a magnitude em que ela se dissolve, precisa se despojar de total maneira para se entregar à mercê de seus caprichos sutis.
Precisa ser leve e ficar em suspenso para se deixar levar pelo fluxo de sua correnteza. Assim, as palavras nos transportam e nos surpreendem. Essa viagem me comove, porque quando deixo de ser e sigo o movimento que elas traçam, uma dança invisível no ar, eu que não existo e em volta brilha translúcida cada partícula.
Tudo desaparece para que as palavras sejam soberanas, donas da fatalidade, e a elas obedecemos.
Nossa entrega é plena. Elas, como fadas de luz, descortinam universos. Percorrem planos que existem desde o começo do mundo, tudo o que se conheceu, se conhece e se perdeu na memória.
Elas se revelam e nos fazem descobrir paixão e êxtase. Elas nos prendem e nos tornamos espíritos livres.
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