O paradoxo que pesa sobre o agronegócio
A guerra entre Rússia e Ucrânia expôs um paradoxo do Brasil. De um lado, o país é protagonista na produção agrícola mundial. Por outro, é dependente do mercado externo de fertilizantes e importa 85% do adubo.
Essa realidade é alvo de esforços do governo federal. Iniciados pela então ministra Tereza Cristina e continuados pelo novo titular da pasta, Marcos Montes, a chamada diplomacia dos fertilizantes busca diversificar fornecedores. O movimento, apesar de necessário em curto prazo, não corrige o problema, apenas transfere a dependência já existente.
Com exceção de Rússia e China, não há autossuficiência em fertilizantes. Na União Europeia, por exemplo, a demanda externa beira os 50%, nos Estados Unidos, 24%, de acordo com dados do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert). Por aqui, enquanto se caminha para ampliar a dependência a 90%, nível crítico, o Peru é grande fornecedor de fosfatados aos Estados Unidos, mas não para o Brasil. A Argentina, por sua vez, tem jazidas de potássio que poderiam suprir a demanda interna brasileira que já é de 97%.
De acordo com o diretor-executivo do Sinprifert, Bernardo Silva, a opção é criar "sinergia" com países mais próximos. Na esteira das necessidades, em março, foi assinado o decreto federal para o Plano Nacional de Fertilizantes, para destravar investimentos, capazes de reduzir em 50% a dependência na matriz NPK (nitrogênio, fósforo e potássio).
No Estado, um dos projetos que aguarda a licença de instalação é o Fosfato Três Estradas, da Aguia Fertilizantes, em Lavras do Sul, mas esbarra em questões ambientais. Outro, em São José do Norte, está hibernado por razão semelhante.
Na prática, Silva sustenta que, quanto mais próximo for o fornecimento de insumos para o agricultor local, maior será a renda e a produtividade. Isso ainda abriria competição no mercado, o que, potencialmente, poderia reduzir os custos de produção.
Para se ter uma ideia, atualmente, mesmo com o real mais valorizado frente ao dólar, o preço dos insumos agrícolas disparou: uma tonelada de potássio, por exemplo, que antes da guerra custava US$ 300, hoje é vendida acima de US$ 1,1 mil. Mais um problema que vai cair no colo dos produtores, e, consequentemente, dos consumidores mais adiante.
Diretor-executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas de Fertilizantes (Sinprifert), Bernardo Silva chama a atenção para a necessidade de desenvolvimento do setor, principalmente, no sul do país. Os desafios, diz, envolvem o contexto global e as políticas nacionais.
A guerra evidencia a dependência em fertilizantes?
Sim, a guerra evidenciou algo que há muito tempo vem incomodando o setor produtivo nacional, que é essa extrema dependência externa que se tem em fertilizantes, apesar de termos recursos minerais para isso, sejam os fosfatados, os potássicos e também recursos minerais para gás natural. O Rio Grande do Sul tem interesse em especial, pois conta com um polo petroquímico interessante, produzindo fertilizantes.
Nos últimos dois anos, no ambiente institucional federal surgiram propostas como o Plano Nacional dos Fertilizantes e projetos como o Profert (PL 3507/21, que cria incentivos no setor) e também em esfera estadual, quando os Estados decidiram rever as suas estruturas tributárias para fertilizantes, em março de 2021. O RS foi um que participou ativamente do debate e acertadamente apoiou a revisão do convênio 100 (uniformização da alíquota em 4% para fertilizantes até 2025), entendendo que a mudança tributária traria impacto insignificante para os produtores agrícolas.
Como avançar ainda mais?
O que tem de ser feito é uma aproximação dos órgãos estaduais de licenciamento ambiental e regulatórios com o setor para melhorar a interface e os processos. Em esfera federal, é preciso haver o entendimento de como os Estados e a União podem se unir para agilizar novos projetos. Pois são eles, além dos atuais, como a Yara em Rio Grande, que amplia a sua produção de fosfatados, e algumas ações do Plano Nacional dos Fertilizantes, ou na Argentina, onde se aumenta a exploração de potássio, que poderão criar um hub nacional e sinergias entre polos produtores e consumidores. Este é o caso do RS.
Quais são os desafios?
Nos tributos, é preciso atingir isonomia de ICMS entre importações e nacionais, com o Convênio 26 (que reduz a base de cálculo nas saídas dos insumos agropecuários). Hoje, não há isonomia. É necessário que o novo marco do gás natural seja implementado para reduzir o custo da matéria-prima, que hoje beira US$ 12 por milhão de BTU (unidade térmica britânica) para US$ 5. Isso viabilizaria projetos nacionais de nitrogenados. Por fim, a questão de logística e integração destes polos produtores e consumidores.
Ou seja, que o polo de Minas Gerais de fosfatados e potássicos possa estar integrado logisticamente com Sergipe, Bahia e São Paulo para o suprimento de nitrogenados. O RS precisa da mesma sinergia com Paraná, Santa Catarina e Argentina, havendo maior eficiência de transporte, por exemplo, via cabotagem. Aliás, o RS precisa liderar esse movimento de focar no que vai de fato resolver o problema, que é aumentar os investimentos na produção nacional, pois é um Estado relevante em produção, consumo e importação de fertilizantes. É grande receptor e distribuidor desses produtos e, como tal, precisa abraçar essa causa, porque se beneficia desde a arrecadação do Estado até a produtividade nas safras gaúchas.
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