sexta-feira, 3 de setembro de 2021


03 DE SETEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Uma questão de sofisticação

Fui alvo de críticas acerbas por ter confessado minha súbita preferência por licores. Que não é bebida de homem, que é coisa de velho, blá-blá-blá. Pois bem. Para enfurecer ainda mais os detratores, conto agora que essa súbita preferência nem é súbita. Já tive outras fases licorosas na longa e tortuosa estrada da vida.

Uma época, minha mãe produzia, com suas próprias mãos santas, um licor de ovos delicioso. Ela colocava em garrafinhas de refrigerante, arrolhava e me dava semanalmente. Por algum tempo, me repimpei de licor de ovos. Depois, enjoei. Era muita doçura na minha vida.

Está certo, o licor é uma pós-bebida, você não vai passar a noite bebendo Amarula, pelo amor de Deus.

Mas acidentes acontecem e o licor pode acabar se tornando protagonista em vez do coadjuvante de luxo que ele é.

Certa feita, quando trabalhava em Novo Hamburgo, saí com a turma do jornal para um bar muito agradável que lá havia. Não lembro o nome do lugar, mas tinha mesas na rua e luzinhas alegres sobre nossas cabeças, além de cerveja geladíssima. Ocorre que Novo Hamburgo é uma cidade de origem germânica, trabalhadora, que acorda cedo. Assim, os bares cedo fecham. O nosso fechou, só que nós continuamos com vontade de confraternizar. A saída foi continuar a noite na casa de um dos editores, que não estava preparado para convescotes, as cervejas que ele guardava na geladeira logo foram consumidas e o que sobrou foi um licor chamado "Pingo de Ouro". Olhei para aquela garrafa e bradei:

- Pingo de Ouro! É disso que preciso!

E comecei a ingerir copos e mais copos de Pingo de Ouro, tudo muito animado na hora, mas, na manhã seguinte... Lembro que agarrava minha cabeça com as duas mãos, sentia o cérebro pulsando dentro da caixa craniana e gemia:

- Por que fiz isso comigo mesmo? Não sou recalcado nem nada...

Licores podem ser perigosos, portanto.

Na Suíça, descobri outro dia, eles atentam para a periculosidade das bebidas - depois dos 16 anos os jovens podem consumir fermentados, mas os destilados só são permitidos após os 18. Esse interdito aos destilados faz sentido. A geração mais brilhante da música brasileira foi devastada pelo uísque. Era o que bebiam Chico Buarque, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e outros gigantes daquela turma de Ipanema dos anos 70 e 80. Mais tarde, Chico Buarque anunciou que havia se tornado um bebedor de cervejas e vinhos, muito menos agressivos do que o uísque. Questão de sobrevivência.

Por todas essas razões, continuarei fiel aos chopes cremosos, mas é bem possível que você me veja sorvendo uma tacinha mínima de Cointreau depois do jantar. Pode me criticar. Não me importo. Finesse, meu amigo, você não encontrará nas gôndolas do súper.

DAVID COIMBRA

Nenhum comentário: