quarta-feira, 5 de agosto de 2020


05 DE AGOSTO DE 2020
MÁRIO CORSO

Lobo-guará


A notícia da semana passada foi a nova nota de R$ 200. Para minha satisfação, escolheram o lobo-guará. Desfez a decepção da última nota, a garoupa na de R$ 100. Nunca entendi aquela escolha, animal sem carisma, sem história. Afinal, vínhamos da onça na nota de R$ 50, o mico-leão na de R$ 20, a arara na de R$ 10. Animais simbolicamente fortes e queridos. Vai que a zica do Brasil seja essa garoupa fria, escorregadia e sem graça.

O lobo-guará é um animal nobre, longilíneo, elegante. Exibe um castanho entre o dourado e o avermelhado que lembra uma raposa gigante. Desloca-se e caça na charmosa luz crepuscular. Na tradução do tupi, guará é lanoso, eu escolheria traduzir por lobo peludo. Embora canídeo, é onívoro, boa parte de sua alimentação são frutos.

Nunca tive a sorte de encontrar uma reflexão sobre a troca das imagens de personagens da cultura nacional, na tradição das notas anteriores, por figuras de animais, portanto da riqueza natural. Já tivemos nas nossas cédulas Câmara Cascudo, Cândido Rondon, Carlos Drummond, Carlos Gomes, Cecilia Meireles, Santos Dumont, Oswaldo Cruz, Vital Brazil, Cândido Portinari, entre tantos outros. Além de políticos, homenageávamos nomes da arte e da ciência nacional. O que nos deu para buscarmos animais para representar nosso valor?

Já tinha desistido de completar o álbum zoológico das cédulas. Pensava que não lançariam mais notas, afinal, a inflação está baixa e há essa tendência mundial de esvaziar o dinheiro real e torná-lo virtual. Todos nós já sentimos isso. Quase nem andamos com dinheiro, tudo é no cartão. Mais acessível, mais prático e mais seguro para ambas as partes. Mas tudo no Brasil anda na contramão da História, então...

A UE parou de emitir a nota de 500 euros, os americanos descontinuaram as notas de grande valor. A troca total de notas de alto valor é uma das estratégias dos fiscos pelo mundo para coibir o caixa 2, a propina, o tráfico, enfim, os valores ganhos de forma desonesta.

Por outro lado, por rastrearem nossos gastos, existe a desvantagem de perdermos nossa privacidade. Essa mesma que voluntariamente colocamos nua na janela das redes sociais.

De qualquer forma, bem-vindo, lobo-guará! Infelizmente, creio que você valha menos do que a garoupa de cem quando lançada. Mas pense que, da maneira como tratamos nossa natureza, as notas serão um último refúgio. Mas, já no estribo, me responda, meu caro lobo: por que lançar uma nota que ajuda na lavagem de dinheiro?

MÁRIO CORSO

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