13 DE AGOSTO DE 2020
CAPA
A ideia que mudou a música gaúcha
Há 45 anos, festival Vivendo a Vida de Lee, organizado pelo radialista Júlio Fürst, colocou no palco jovens talentos locais. Sob a ditadura militar e o cerceamento da censura, eram escassos os lugares para os músicos locais se apresentarem na Porto Alegre de 1975. Após a primeira edição do festival Vivendo a Vida de Lee, em 13 de agosto daquele ano, uma nova ideia começou a se consolidar: havia muita diversidade e qualidade na música da cidade e havia público interessado nela. Bastava um empurrãozinho.
Tudo começou com o programa Mr. Lee in Concert, da Rádio Continental AM. A atração estreou em abril de 1975, como campanha das Lojas Renner para o lançamento no Brasil das calças Lee. A ideia era um programa que tocasse country music, dialogando com a marca de jeans americana. O caubói recrutado para comandar a atração - ao ar das 22h às 23h, de segunda a sábado - foi Júlio Fürst (hoje apresentador da 102.3), encarnando o personagem Mister Lee.
Nos EUA, a empresa promovia nas rádios os shows Lee in Concert, com nomes como Bob Dylan, James Taylor e B.B King. Júlio decidiu emular essa ideia gravando com músicos gaúchos nos estúdios da Continental. Com o sucesso, ele entendeu que era hora de levar esses artistas para o palco, inspirado em Woodstock, o célebre festival americano realizado em 1969.
- Fiz uma proposta para Lee e a Renner me apoiarem. O pessoal era muito cético pela época em que estávamos vivendo, em plena ditadura e com a censura. Achavam que o concerto não ia passar. Qualquer reunião de meia dúzia de pessoas em uma esquina era dispersada - lembra Júlio.
O radialista fechou com o Teatro Presidente e selecionou grupos e artistas que tinham mais repercussão no programa: entre outros, Hermes Aquino, Almôndegas, Fernando Ribeiro, Inconsciente Coletivo, Gilberto Travi e Cálculo 4, Ensaio, Byzarro, Utopia, Bobo da Corte e Palpos de Aranha.
- As pessoas começaram a ouvir gente daqui. O cara que era vizinho dele do edifício. A pessoa que via na praça no domingo. Estavam na rádio e, então, no palco. Isso não existia. Só se ouvia coisas de fora - destaca Júlio.
Uma nova edição foi realizada em 9 de novembro de 1975. O 2º Vivendo a Vida de Lee encheu o Auditório Araújo Vianna com 5,5 mil pessoas - com 17 bandas, começou às 17h do domingo e terminou às 2h30 de segunda. Foram realizadas mais duas edições em Porto Alegre, além de concertos em Pelotas, Santa Maria, Passo Fundo, Caxias do Sul e até Curitiba. Em 1976, o programa e o projeto do festival foram encerrados.
Legado
Autor do livro Woodstock em Porto Alegre, o escritor e cantor Rogério Ratner diz que os eventos e a rádio abriram uma janela:
- Foi uma coisa revolucionária. É um legado extremamente positivo de valorizar a cena local, de abrir espaço para artistas novos. Foi um resgate de autoestima da cena musical e cultural.
O cantor e compositor Bebeto Alves, que se apresentou nos festivais com a banda Utopia, destaca:
- Mr. Lee deu um palco grandioso para tudo aquilo que estava acontecendo. Foi de extrema importância para o movimento musical que surgiu naquele período, aglutinando muitas coisas. Foi uma base para o que está aí até hoje.
Kledir Ramil, que integrava o grupo Almôndegas, lembra que a rádio abriu seu estúdio para as primeiras gravações da banda, que viria a ter projeção nacional. Para o músico, o resultado dessa ousadia foi uma revolução que se traduziu em enorme sucesso.
- Júlio Fürst captou com sensibilidade esse espírito da época. Reuniu e potencializou com seu programa e os concertos a chama de tantos talentos que começavam a surgir. Lembro com saudade da efervescência dos teatros lotados e, principalmente, do clima de confraternização nos bastidores. Algo novo e muito importante estava nascendo ali - atesta Kledir.
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