25 DE AGOSTO DE 2020
DAVID COIMBRA
Por que os brasileiros torcem contra Neymar
Talvez seja coisa nossa, dos povos latinos. Nós somos muito coração, como já havia identificado Sérgio Buarque de Holanda, o pai do Chico. Não é nem que agimos por instinto, como os bichos. Não. Os bichos são previsíveis. Quer dizer: existe uma lógica reta nas suas ações e reações. Nós, latinos, não. Nós nos movemos por sentimentos tortuosos e somos capazes de coisas que fazem um anglo-saxão erguer uma sobrancelha e exclamar:
"Oh..." Por exemplo: essa final da Liga dos Campeões da Europa gerou manifestações que expõem a personalidade de alguns povos envolvidos. Os franceses, depois da derrota, saíram às ruas, quebraram carros e vitrines, atearam fogo em lixeiras, promoveram tumulto.
Por quê? O time deles enfrentou um adversário superior e jogou bem, fez uma final digna. Não levou oito gols, como o Barcelona havia levado. Ao contrário: teve bravura e saiu de campo com a cabeça erguida.
Então, repito: por que a violência?
É porque, para o francês de hoje, pouco interessam as razões, o que ele quer é demonstrar seu descontentamento com o mundo. O mundo, para o francês, é visceralmente injusto. O mundo não dá ao francês o que ele quer, e isso é revoltante. Afinal, o francês nasceu e, por consequência, deveria ter garantidos o sustento, a fartura e o campeonato da Europa.
O mesmo jogo de futebol titilou os brasileiros e lhes expôs a personalidade, graças ao envolvimento de um protagonista do campeonato, Neymar.
Muitos brasileiros, veja só, comemoraram a derrota de Neymar, o maior craque do Brasil. Nas redes, ninguém destacou sua habilidade fluente, sua vontade de vencer, seu genuíno abalo com a derrota. Nas redes, Neymar foi tratado como um fracassado.
Surge, desta forma, uma contradição do caráter do brasileiro. O brasileiro venera políticos e têm neles fé cega, como se fossem semideuses infalíveis (vide lulistas e bolsonaristas). No entanto, o brasileiro torce contra o seu semelhante. Ou seja: para o brasileiro, existe alguém acima dele que é intocável, e todos os demais, que estão a seu lado, na planície, são seres menores, quase desprezíveis.
Como o francês, o brasileiro também acha o mundo injusto, mas cultiva a esperança de que um herói corrija essa injustiça. Enquanto isso não acontece, enquanto ele não é salvo por alguém, o brasileiro se empenha em diminuir quem está por perto, para parecer maior. Ele aponta para o próximo e diz: eu não sou tão miserável, porque você é mais miserável do que eu. Eis a fonte da nossa irreverência, da nossa iconoclastia e da nossa amargura.
Somos, de fato, servos dos nossos próprios sentimentos. Ponderação, quase nenhuma. Reflexão, perto do nada. Mas muito, muito coração.
DAVID COIMBRA
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