15 DE AGOSTO DE 2020
ARTIGOS - Jornalista e escritor
Novo Pinóquio?
O filme de Walt Disney sobre o boneco Pinóquio eletrizou e educou diferentes gerações ao mostrar a mentira no próprio rosto do mentiroso. O nariz do boneco de madeira crescia ao mentir e continuava a aumentar de tamanho até pronunciar a primeira verdade. Pinocchio, porém, era só um boneco irônico mostrando que a vileza humana principia na infância.
Lembrei-me do filme ao saber do que disse o presidente Bolsonaro, dias atrás, na reunião (via internet) dos chefes de governo dos oito países que integram a região amazônica. "Não há queimadas nem incêndios na Amazônia brasileira. Não há sequer meio hectare de floresta devastada. Fora disto, tudo é mentira", disse ele, em síntese, aos demais governantes dos países do Tratado de Cooperação Amazônica - Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
Se fosse no filme-desenho de Walt Disney, o nariz do boneco teria aumentado em forma descomunal, furando a tela do cinema. Às vezes, porém, a invencionice mentirosa faz duvidar da verdade. Quando propalada por aqueles que desfrutam de autoridade, por exemplo, transforma-se numa espécie de ópio gigantesco e geral, que nos tira da realidade e nos faz acreditar num mundo inexistente em que as maravilhas esbarram entre si.
Quando os satélites da Nasa ou do nosso Instituto de Pesquisas Espaciais detectam e mostram a devastação, o presidente da República esbraveja e diz que "não é verdade". Ou repete a carcomida ideia de que os grandes países europeus "já devastaram, antes, suas florestas e, por isto, agora defendem as nossas". Esse falso argumento é o mesmo que inocentar um antigo assassino só porque, anos depois, nós próprios praticamos crime idêntico?
Terrível é a contradição em que vivemos. Quando o mundo inteiro se conscientiza, hoje, de que o planeta deve ser preservado (e que a preservação começa neste minuto), no Brasil - e até aqui no Rio Grande - as autoridades enveredam pela contramão, propondo o atraso e a volta à ignorância. Bastaria ler a encíclica Laudato Si?, do papa Francisco, ou prestar atenção às advertências do secretário-geral da ONU para conhecer o rumo certo.
Resta a alegria de que as vacinas contra a covid-19 estão em fase final, mas - no Brasil - já se anuncia outra peste. O orçamento do Ministério da Educação terá em 2021 um corte de R$ 4, 2 bilhões, a incidir diretamente nas pesquisas das universidades federais.
Nem sequer a quantia de R$ 1 bilhão que Dario Messer, o "doleiro dos doleiros", devolverá pelas falcatruas na Lava-Jato, pode compensar o que vamos perder na educação neste país em que Pinóquio impera.
FLÁVIO TAVARES
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