22 DE AGOSTO DE 2020
ARTIGOS - Jornalista e escritor
Tudo desaba?
O caso da menina de 10 anos que o tio engravidou é tão brutal e perverso, que exige ir além do horror para tentar entender a tragédia. Todos os crimes ali estão, desafiando a condição humana e transformando a vida num ato mecânico para subjugar a inocência infantil.
Nada é mais profundo do que o erotismo do amor. É a fusão de duas almas que passam a ser uma só, como se um único corpo corresse pelas entranhas numa troca recíproca. Nada, porém, é mais brutal do que fazer do erotismo uma perversão que mata a beleza e vira apenas odiento jogo de força contra o mais débil. O tio da menininha do Estado do Espírito Santo agiu assim ao longo de quatro anos, estraçalhando ainda mais a inocência infantil.
Todas as visões de amor e ética desabam neste caso e, até, nos seus desdobramentos, mostrando o ódio à nossa volta. A notória ativista de direita Sara Geromini (ou Sara Winter, de apelido) divulgou o nome da menina nas "redes sociais", como se a vítima - só por existir - fosse culpada pelo crime.
Mas não publicou o nome do criminoso, algo que, até, protegeria a sociedade. Julgando-se poderosa por ser partidária do presidente Bolsonaro, convocou baderneiros para protestar junto ao hospital que procedeu a interrupção da gravidez.
Estamos grávidos de ódio, sem espaço para o amor ou sequer para a compreensão? Ou o encanto de viver desaba como castelo de areia, numa sociedade que vira simples aglomerado de gente e perde a essência de tudo, passando a amar o ódio?
Em Alegrete, um pai precoce de 19 anos matou a pauladas o filhinho de um ano e 10 meses "porque não parava de chorar". Antes, em Três Passos, o menino Bernardo, foi morto pela madrasta.
O terrível nisso tudo é nos habituarmos à degradação, como se o horror fosse a imperdível telenovela da noite.
O crime mancha até atos de solidariedade. Na correta ajuda brasileira ao Líbano, o ex-presidente Michel Temer, chefe da missão oficial, teve de obter licença da Justiça para ausentar-se do país, onde está processado por corrupção?
Enquanto isto, o governo federal busca cortar as verbas destinadas à educação em 2021 e, paralelamente, aumentar o orçamento militar em 48,8%, como se estivéssemos em guerra. O jornal O Estado de S.Paulo revelou detalhes do novo orçamento sugerido por Bolsonaro. A verba para educação diminuirá em mais de R$ 1 bilhão, enquanto o Ministério da Defesa irá de R$ 73 bilhões para mais de R$ 108 bilhões.
A área da saúde terá R$ 4 bilhões a menos, como se a pandemia não fizesse desabar a vida em si. E se, aqui no RS, as crianças voltarem à sala de aula agora, em plena pandemia, tudo desabará ainda mais.
FLÁVIO TAVARES
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