11 DE AGOSTO DE 2020
OPINIÃO DA RBS
SILÊNCIO ELOQUENTE
A não cumplicidade com esquemas de corrupção e desvios de dinheiro público, seja de qual ordem, foi um dos patrimônios mais vistosos do então candidato Jair Bolsonaro à Presidência da República. Bolsonaro fez do fato de não ter sido citado ou investigado no tsunami da Lava-Jato um contraponto ao mar de denúncias e evidências que gravitavam em torno de outros candidatos e partidos. À margem do noticiário político- policial, o então candidato foi abraçado com entusiasmo por expressivas parcelas da sociedade justificadamente indignadas com o comportamento subterrâneo de ocupantes do Palácio do Planalto.
Embora a condição de Bolsonaro ainda seja muito distante da de pelo menos três de seus antecessores, Fernando Collor, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, cujas digitais se espalhavam por diferentes latitudes em desvios de verbas, o atual presidente também se vê agora na constrangedora condição de ter de dar explicações sobre a origem do dinheiro que misteriosamente pousou na conta de familiares. A mais recente e estranha movimentação foi revelada na semana passada pela revista Crusoé, ao informar que a quebra de sigilo de Fabrício Queiroz identificou 21 cheques, no total de R$ 72 mil, na conta da hoje primeira-dama Michelle Bolsonaro entre os anos de 2011 e 2016. Ato contínuo, o jornal Folha de S. Paulo acrescentou que a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, depositou outros seis cheques, no valor de R$ 17 mil, na conta da esposa do então deputado Jair Bolsonaro.
Queiroz é um personagem clássico da política do baixo clero brasileiro - o assessor faz-tudo de inteira confiança e, no caso dele, com proximidade ao submundo das milícias cariocas. Amigo de longa data do presidente da República, Queiroz é suspeito de ter coordenado o esquema de rachadinha que drenou salários de funcionários do gabinete do então deputado fluminense e hoje senador Flávio Bolsonaro para alimentar contas da família Bolsonaro. Enquanto o senador esforça-se para explicar como e por que Queiroz pagava contas suas com dinheiro vivo - uma forma conhecida de não deixar traços de movimentação financeira -, o presidente da República, sempre tão falante, recolhe-se ao silêncio sobre esquisitas transações.
Pouco antes de tomar posse, Bolsonaro tornara pública uma justificativa para a identificação de um cheque de R$ 24 mil de Queiroz na conta da futura primeira- dama. "Não foram R$ 24 mil. Foram R$ 40 mil", disse o então candidato eleito, ao afirmar que os depósitos eram o retorno de um empréstimo que fizera ao amigo e não havia registrado. A quebra de sigilo de Queiroz, porém, não mostra depósitos de Bolsonaro ao ex-assessor.
Diante da sucessão de descobertas sobre estranhas movimentações financeiras, entende-se a crescente preocupação do presidente em se proteger contra possíveis novas investigações. A obsessão com o controle sobre a Polícia Federal, o alinhamento com o procurador-geral da República e o entrosamento com o centrão, grupo de parlamentares sempre disposto a tirar nacos de angústias alheias, são estratégias de Bolsonaro para se blindar dos problemas causados pela intimidade com Fabrício Queiroz.
As suspeitas que rondam a primeira-família não poderiam vir em hora pior. Com mais de 100 mil mortos pelo coronavírus, o Brasil ostenta uma das piores gestões no controle da pandemia, enquanto a economia, já fragilizada por anos de recessão e irresponsabilidades fiscais de antecessores, sofre duplamente pela conjugação de fatores negativos. Para se descolar das denúncias e da impopularidade, Bolsonaro é tentado a recorrer com mais intensidade a recursos típicos do populismo, como a distribuição sem critério e desmesurada de dinheiro público para comprar simpatias. Esse risco está no ar e, se levado à frente, poderá mergulhar o Brasil numa crise ainda maior e mais duradoura. Melhor seria se o presidente, pelo menos, quebrasse o silêncio e esclarecesse as suspeitas de uma vez por todas.
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