sábado, 22 de agosto de 2020

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22 DE AGOSTO DE 2020
J.J. CAMARGO

SUS: O QUE SE DIZ E O QUE FALTA DIZER

O SUS, universalizando o direito à saúde dos brasileiros, poupou a população pobre e desempregada da condição de indigência e, considerando o vulto populacional e a flagrante desigualdade social, se constitui no maior programa de saúde pública do mundo. Os depoimentos reiterados e elogiosos realçam, com justiça, o papel desempenhado durante a pandemia, oportunizando, quase com igualdade, que todos as classes sociais fossem atendidas na rede hospitalar disponível. Desempenhos igualmente reconhecidos revelam, com ufanismo, a manutenção do maior programa de transplantes do mundo, ao lado do suporte, sem termos de comparação internacional, na proteção aos portadores de aids e na aplicação de vacinas, alcançando o número recorde de 300 milhões de doses/ano.

Considerando as entrevistas empolgadas, as matérias publicadas com realce nos principais jornais e os depoimentos pungentes em universidades e academias (onde os aplausos superaram os resmungos), podemos ser induzidos a acreditar que está tudo bem, e que sairemos dessa crise sanitária mais fortes e valorizados do que nunca.

Como coisas igualmente importantes foram esquecidas, restou o desconforto da incompletude que, se acompanhada de silêncio, se associará à omissão e à cumplicidade dolosa.

O SUS, definido por seus arautos como a maior iniciativa de cunho social do século 20, na verdade foi um impulso de imensurável humanismo e generosidade, mas concebido sem provisão de sustentabilidade. Ignorando a projeção de aumento da expectativa de vida da população, o custo progressivo da tecnologia médica assistencial e negligenciando um indispensável programa paralelo de planejamento familiar, viu crescer exponencialmente o número de seus dependentes. 

Levando em conta estas variáveis, cruciais do ponto de vista de planejamento, é até surpreendente que, apesar de exaurido e trôpego, tenha chegado aos 32 anos de existência, durante os quais tivemos 27 ministros da Saúde sistematicamente descontinuando a política dos anteriores, por questiúnculas partidárias, sem visão de longo prazo e com tremendo desperdício de recursos. Com cada governo impondo sua política original e, sem planejamento de longo prazo, o caos futuro poderá ser chamado de tudo, menos de surpreendente.

Os gastos multiplicados pela pandemia e a crise econômica que conduziu à inadimplência uma legião de portadores de planos de saúde, entregando-os aos SUS, podem ser a pá de cal de um sistema que, bem ou mal, ainda é a única porta teoricamente aberta à população carente, esta que amanhece em filas de espera para marcar uma consulta, e que muitas vezes, quando chega ao dia agendado, o candidato já não precisa mais dela. Ou o paciente que diante de uma suspeita de câncer tem uma ecografia prevista para o semestre seguinte, ignorando-se que a doença é menos burocrática.

Como agravante, o SUS está conduzindo à ruína seus parceiros mais fiéis e submissos: os hospitais filantrópicos, responsáveis por mais da metade das suas internações e por 68% dos atendimentos em alta complexidade, justamente os mais onerosos. A defasagem remuneratória é um caminho sem volta, rumo à falência desse modelo assistencial.

Tratando pacientes do SUS desde que ele existe, e na expectativa de que o aprimoramento de gestão dos recursos seja o primeiro passo fundamental na direção da sobrevivência, deixo uma recomendação: comparem os custos, por paciente, dos hospitais públicos com os filantrópicos. Nunca é tarde demais quando há a intenção real de melhorar.

J.J. CAMARGO

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