Empreendedorismo constrói mito de que fracasso é fruto da preguiça, diz Leandro Karnal
Segundo o pesquisador, nem todo pobre é alguém acomodado
A pandemia do coronavírus impossibilitou muitos empreendedores e empreendedoras de trabalharem da forma como conheciam antes do surto da doença – seja porque o comércio permaneceu fechado, seja pelo distanciamento social. Isso fez com que o ato de empreender fosse, também, repensado. O historiador Leandro Karnal, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e comentarista da CNN, tem uma visão interessante sobre o tema. “Nem todos devem abrir seu negócio. E empreendedores não são, necessariamente, felizes”, considera ele, em entrevista exclusiva ao GeraçãoE.
Na conversa a seguir, ele também critica formatos ultrapassados adotados pelas empresas. As reuniões, conforme Karnal, “raramente são produtivas”. Além disso, afirma que a ideia de pensar fora da caixa é apenas mais uma fórmula que impede a criatividade.
Entre 24 e 27 de agosto, Leandro Karnal e Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, darão um curso on-line gratuito na Pucrs. As inscrições podem ser feitas por pessoas de todo o Brasil e devem ser realizadas no link https://mkt.pucrs.br/cursogratuito até o dia 23 de agosto.
GeraçãoE - O que você pensa sobre empreendedorismo?
Leandro Karnal - Entendido como iniciativa pessoal de desafio, independência do Estado e capacidade de criar e de inovar, acho uma das grandes forças de uma sociedade. O mundo cresce quando inventamos um novo produto, um serviço inovador ou uma ideia de produção mais rápida, mais eficaz e, acima de tudo, mais sustentável.
GE - Você diz que o empreendedorismo coloca a responsabilidade do fracasso sobre as pessoas. Pode falar mais sobre isso?
Karnal - O empreendedorismo é ótimo. Mas ele pode esconder coisas complicadas. Uma delas é fazer crer que todos possuem as mesmas oportunidades e que a meritocracia (um valor claro) seja absoluta e universal. Visto assim, o empreendedorismo constrói o mito de que o fracasso é sempre fruto da preguiça. Algumas vezes, não sempre, o fracasso é uma construção social. O capitalismo patrimonial (o dinheiro herdado vai gerando sozinho dinheiro sem desafios) atrapalha a ideia de empreendedorismo. Nem todo milionário é um genial criador, pode ser apenas um idiota que herdou muito e ainda não conseguiu estragar a herança. Nem todo pobre é alguém acomodado.
GE - O que é a teologia do empreendedorismo?
Karnal - É a crença mágica de que empreendedorismo salva tudo. Quando o desafio de empreender vira mantra e autoajuda, surge a teologia do empreendedorismo. Em primeiro lugar, nem todas as pessoas são empreendedoras. Há gente perfeitamente feliz na repetição. Nem todo mundo tem condições de empreender. Nem todos devem abrir seu negócio. E empreendedores não são, necessariamente, felizes. A biografia de Steve Jobs mostra um homem extraordinariamente inteligente, criador ao extremo, insatisfeito e com um problema frequente no quesito de lidar com seres humanos e amar. Comparativamente, a pessoa assalariada que tem um salário suficiente para viver pode ser bem mais feliz do que Steve Jobs. Empreender não é acreditar em um sistema mágico que, acessado, garante a felicidade. Aliás, bons empreendedores não acreditam em sistemas fechados e prontos. Empreendedores odeiam coisas prontas.
GE - Quais os efeitos da busca constante pelo sucesso na sociedade?
Karnal - O sucesso é algo bom. Você atinge seus objetivos, cresce, recebe recompensas pessoais e financeiras. O sucesso não é um problema. Porém, visto como algo em si e que serve para atacar outras pessoas ou danificar o ambiente, o sucesso é um vício. Aliás, fracasso também vicia.
GE - O que acha dessas fórmulas de sair da caixa para ser criativo?
Karnal - Se for fórmula não serve, pois deixará a criatividade. Gente criativa não segue fórmula. Sair da minha caixa e entrar na caixa dada pelo palestrante ou pela empresa é só trocar para a caixa mais conveniente a quem está propondo.
GE - Por que você compara as reuniões das empresas com ritos litúrgicos?
Karnal - Reuniões raramente são produtivas. São exercícios simbólicos de poder. Decidem pouco. O que deve ser decidido já foi nos bastidores. Funcionam como celebrações litúrgicas, como uma missa. Tem Glória e Ato Penitencial. Louvamos pessoas (chefes) e falamos dos pecados coletivos e individuais. Reuniões ocupam o espaço vazio para que as horas de trabalho sejam preenchidas. Os ritos não são inúteis, apenas são ritos e não reuniões. Funcionam como símbolo do poder e não como exercício administrativo ou de aperfeiçoamento de resultados.
GE - As empresas exigem funcionários felizes e empolgados. Isso é possível?
Karnal - Sempre é possível ser feliz e empolgado. Muitos projetos nas empresas são empolgantes. Apenas devemos distinguir que empresas demandam felicidade porque isto aumenta a produtividade da equipe e diminui a ansiedade salarial. Gente feliz demanda menos dinheiro e fica até mais tarde. Por isso, devemos distinguir entre uma genuína felicidade coletiva por um projeto envolvente e uma sedução de uma cenoura à frente da manada para fazer avançar. Felicidade é fundamental, mas deveria ser fundamental para todos os envolvidos, inclusive os colaboradores.
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