04
de maio de 2015 | N° 18152
L. F.
VERISSIMO
O ponto da ganância
Tudo
pode ser reduzido a uma metáfora culinária. Comparamos mulheres com frutas e
revoluções com omeletes e dizemos que as pessoas envelhecem como o vinho – ou
ficam melhores, ou azedam. E já ouvi dizerem de uma mulher que ela lembrava um
vinho da Borgonha. Nada a ver com sabor ou personalidade, e sim com o formato
da garrafa (pescoço longo e ancas largas).
O
capitalismo triunfante também evoca uma questão de cozinha, a do ponto. Qual é o
ponto em que a ganância humana deixa de ser um propulsor econômico e volta a
ser pecado? Da Margaret Thatcher diziam que ela queria o impossível: devolver à
Inglaterra os valores morais da era vitoriana ao mesmo tempo em que
desencadeava a era do egoísmo sem remorso e declarava que sociedade não
existia, só existiam o indivíduo e suas fomes.
Dilema
antigo. Desde que o capitalismo e a moral burguesa nasceram, ao mesmo tempo,
vivem brigando. Só conseguem viver juntos com a hipocrisia, que teve uma das
suas apoteoses na era vitoriana invocada pela sra. Thatcher.
No
Brasil de tantos escândalos, cabe a pergunta: qual é o ponto da ganância?
Quando é que a mistura desanda, o molho queima e o que era para ser um pudim
vira uma vergonha? Há quem diga que o mercado sabe quando e como intervir para
salvar a moral burguesa. Digo, o pudim.
Claro
que para isso funcionar é preciso confiar que todas as pessoas sejam, no fundo,
social-democratas, ou capitalistas só até o ponto certo do cozimento. Ou
acreditar que a ganância pode destruir a ideia de sociedade e ao mesmo tempo
esperar que a ideia sobreviva nas pessoas, como uma espécie de nostálgica produção
caseira.
O
capital financeiro que hoje domina o mundo nasceu da usura, que era punida pela
Igreja medieval. A história da sua lenta transformação, de pecado em atividade
respeitável, culminando com sua adoção pela própria Igreja, é a história da
hipocrisia humana. A Inquisição mandava os usurários para a fogueira, onde... Mas
é melhor parar com as metáforas culinárias, antes de começar a falar nos
grelhados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário