segunda-feira, 2 de outubro de 2017


02 DE OUTUBRO DE 2017
CLÁUDIA LAITANO

Para o ninho ou para o voo


Existem basicamente dois estilos de pais, pelo que venho observando nesses meus primeiros 19 anos no ofício: alguns criam os filhos para o ninho, outros para o voo. Criar para o ninho oferece algumas vantagens evidentes. A primeira, e mais óbvia, é que o estilo superprotetor apresenta menos riscos. Se você nunca deixar uma criança ir sozinha para a escola, ela certamente nunca vai ser assaltada ou atropelada - e você não vai ficar aflito com a aventura. 

Também nunca vai precisar quebrar a cabeça calculando se ela já está pronta para o desafio, se conhece bem o caminho, se atravessa a rua olhando para os dois lados, se sabe quando e como pedir ajuda em caso de necessidade. Criar para o ninho é o modo padrão dos pais que não fazem nada muito errado. Se criarem um jovem sem iniciativa, que segue a manada ou que tem medo da própria sombra, vão poder dizer, com sinceridade, que tudo que fizeram (ou não fizeram) foi pensando no bem dos filhos. E não estarão mentindo.

O problema com a criação dos filhos é que poucas coisas são unanimemente aceitas como "o bem". Embora a maioria concorde que o importante é amar, proteger, alimentar e educar as crianças, é no "como" que mora o improviso. Quem cria para o ninho está convencido de que ama melhor evitando os riscos e as incertezas. Quem cria para o voo acredita que ama melhor expondo o filho às grandes e pequenas lições da vida cotidiana. Se o bichinho de estimação morrer, o pai que cria para o ninho inventa uma história bonita para justificar a ausência repentina do totó. Já o pai que cria para o voo talvez aproveite a ocasião para falar sobre a morte de um jeito que a criança entenda, por mais difícil e doloroso que seja.

Errando e acertando, com convicção e às vezes no chute, gosto de imaginar que sou uma mãe que cria para o mundo. Expliquei que gatos fogem, que camisinha serve para proteger de doenças, que algumas pessoas acreditam em Deus e outras não, conforme as perguntas iam se apresentando - e não quando eu estava pronta para respondê-las.

Por essas e por outras, entendo muito bem aquela mãe que levou a filha ao MAM de São Paulo e deixou que a menina tocasse o artista que fazia uma performance, sem roupa, no chão. Se a menina vem de uma família que costuma levar os filhos a museus e os ensinou a gostar de arte desde cedo, provavelmente não terá sido a coisa mais esquisita que a guria viu em seus poucos anos de vida. Para as famílias que acham tudo um horror - a arte, o nu, as performances -, a solução é bem simples: permanecer no ninho.

claudia.laitano@zerohora.com.br

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