terça-feira, 24 de outubro de 2017


24 DE OUTUBRO DE 2017
DAVID COIMBRA
Mata Hari, a espiã nua que abalou Paris

Mata Hari não tinha o bico de um seio. Dizem que foi arrancado a dentadas por seu marido, um militar holandês.

Isso me lembra a história que já contei do Alfredo, que, de aniversário, ganhou dos amigos uma boneca inflável. Os amigos queriam caçoar do Alfredo, mas ele acabou se afeiçoando à boneca, com ela fazia amor todas as noites, e se satisfazia à plenitude. Chamava-a de Tábata. Mas um dia, depois de longa viagem, voltou para casa com tanta saudade, que, no afã das lides do prazer, deu uma mordida mais entusiasmada no bico do seio esquerdo dela e a furou. A boneca amante saiu voando e apitando pelo quarto, para desespero do Alfredo, que colheu o corpo flácido do chão e correu para o borracheiro mais próximo.

O borracheiro avaliou o caso e garantiu que a curaria, mas pediu um dia. Na manhã seguinte, o Alfredo ligou, e o borracheiro pediu mais tempo.

- Telefono quando ela estiver boa - prometeu.

Dois dias se passaram, e nada de ela receber alta. O Alfredo ligou outra vez, e o borracheiro desconversou. Uma semana depois, já desconfiado, o Alfredo foi pessoalmente à borracharia. E flagrou o borracheiro se refocilando com Tábata entre tristes macacos hidráulicos e pneus roídos.

Meu amigo Alfredo foi o único homem do mundo a ser traído por uma boneca inflável.

Mas, no caso de Mata Hari, a mordida não foi por amor. Foi por raiva. Esse homem, seu marido, era 20 anos mais velho do que ela. Havia procurado esposa por correspondência, e Mata Hari se candidatou. Na época, ela não se chamava Mata Hari, e sim Margaretha, quase como a pizza preferida de nove entre nove mulheres.

Casada, Margaretha mudou-se com o marido para a Indonésia, onde aprendeu as danças exóticas dos maoris e descobriu que seu companheiro era um homem terrivelmente violento. Descobriu, também, que ele tinha um caso com a babá de seus dois filhos. Como vingança, arranjou um caso, e foi aí que brigaram com tanta fúria, que o marido a mutilou. Pior foi o que aconteceu depois: a babá envenenou as crianças, e uma delas, o menino de apenas três anos de idade, morreu.

Margaretha separou-se do militar. Ele ganhou a guarda da filha sobrevivente e ela embarcou para Paris, "para onde achava que iam todas as mulheres que se separavam", como disse mais tarde.

Em Paris, Margaretha transformou-se em Mata Hari, que significa, em malaio, "olho da manhã". Era, agora, uma dançarina sensual, que se desnudava enquanto ondulava em frente à plateia, tirando toda a roupa, a não ser um sutiã brilhante que protegia o seio ferido.

Mata Hari somou tantos amantes, que era impossível contar, quase todos eles ricos ou poderosos, ou ricos e poderosos. Tinha prazer especial em entregar-se aos homens de farda. "Prefiro um militar a qualquer bilionário", teria admitido.

Foi sua perdição.

Em meio à I Guerra Mundial, Mata Hari deu-se tanto a oficiais alemães como a franceses e ingleses e, por dinheiro, aceitou ser espiã de todos, sem querer, na verdade, o mal de nenhum. Inocente em sua malícia, Mata Hari foi, na verdade, usada pelos homens e terminou acusada de espionagem e condenada à morte. Executaram-na há exatos cem anos, numa manhã brumosa de outubro, perto de Paris.

Agora, sua cidade natal, a pequena Leeuwarden, na Holanda, realiza uma exposição em sua homenagem. É o reconhecimento, afinal, depois de um século em que os holandeses a desprezaram como uma cortesã vulgar. Muito justo. Mata Hari foi uma mulher de têmpera. Diante do pelotão de fuzilamento, recusou a venda. Sacou o batom de uma dobra do vestido. Retocou a maquiagem. Ajeitou as meias. Quando os solados ergueram as armas para matá-la, mandou-lhes um beijo e um deles desmaiou de emoção. Margaretha morreu crivada por 11 balas. Mata Hari ergueu-se para a eternidade.

DAVID COIMBRA

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