segunda-feira, 9 de outubro de 2017


09 DE OUTUBRO DE 2017
CLÁUDIA LAITANO

Uma temporada no Inferno


Todo mundo deveria visitar o inferno pelo menos uma vez na vida. Não o inferno figurado, da infelicidade (sai pra lá!), nem o místico, esse que costumava assombrar as crianças e vem sendo deixado de lado como estratégia de marketing negativo pela maior parte das religiões, mas o literário, imaginado por Dante Alighieri (1265-1321) na primeira parte da Divina Comédia - livro que repousa na minha cabeceira nesta primavera.

Pode parecer um certo masoquismo mergulhar nas trevas abissais quando o mundo lá fora não está um Jardim do Éden, mas o fato é que enquanto na vida real os dias amenos ainda são incertos e imprevisíveis, o Paraíso da Divina Comédia está a apenas algumas páginas do Inferno - o que não deixa de ser uma promessa de luz no fim do túnel, pelo menos metafórica. No momento, estou marchando no Purgatório, em ritmo lento e firme, rumo à redenção final, já sabendo (spoiler!) que a melhor - e mais terrível - parte do livro já passou.

A história você conhece. O Dante real havia sido exilado de sua cidade, Florença, por motivos políticos, quando criou o Dante personagem, aquele que andava pelo "meio da jornada da vida" (por volta dos 35 anos) quando entrou numa "selva tenebrosa" e se perdeu - cena narrada nas primeiras linhas da Divina Comédia. Por obra de Beatriz, sua musa, que já estava bem acomodada no Céu havia algum tempo, Dante ganhou a chance de dar uma espiada no que o aguardava na morada dos mortos se não tomasse tento no mundo dos vivos.

Guiado pelo poeta Virgílio, que por ter nascido antes de Cristo não podia entrar no Céu, Dante atravessa o Inferno encontrando todo tipo de pecadores pelo caminho. Dos mais inofensivos, como dois amantes que foram mortos por um marido traído, até os mais medonhos, como os que traíram pessoas que lhes fizeram o bem - o cúmulo da falta de caráter na concepção de Dante. Entre os primeiros e os últimos, uma turma da pesada, formada por ladrões, falsários, aduladores e semeadores de discórdias. 

(Só não incluiu os trolls, os haters e os falsos liberais porque ainda faltava um tempinho para a internet ser inventada.) Ler um livro escrito há mais de 700 anos ajuda a colocar as mazelas da nossa época sob perspectiva. Isso porque Dante, só de sacanagem, instalou no Inferno todos os seus conhecidos que ele achava que mereciam passar o resto da eternidade literalmente comendo o pão que o diabo amassou. Estão lá intrigas e crueldades que ainda nos soam incrivelmente familiares. O cenário pode ser fantástico, mas os demônios, assim na terra como no inferno, são humanos.

claudia.laitano@zerohora.com.br

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