sábado, 7 de outubro de 2017



Rocinha e Brasília

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o "Índice de Propensão ao Apoio de Posições Autoritárias" atinge 8,1 pontos numa escala de zero a dez. Não é pouca coisa.

O endosso ao autoritarismo é aparentemente mais agudo quando a escolaridade e o poder econômico do entrevistado são menores, mas, paradoxalmente, a adesão dos mais ricos a uma agenda de direitos humanos e sociais é também menor.

Além de acionar mais um sinal de alerta contra soluções eleitorais salvacionistas e a atuação de "líderes valentes e incansáveis", o estudo ajuda a explicar o acentuado processo de erosão das garantias individuais no Brasil.
O medo da violência está, de fato, na raiz desses sentimentos. Mas, se a repressão abusiva à criminalidade armada sempre contou com a tolerância silenciosa e estratégica das elites, a cruzada contra a corrupção política, mais recente, ampliou o viés autoritário.

Seriam improváveis no Brasil de dez anos atrás medidas adotadas hoje com constrangedora naturalidade. A condução coercitiva de investigados disseminada pela Lava Jato, por exemplo, não existe na lei. A regra constitucional é a prisão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, não depois do julgamento em segunda instância. O Supremo, cada vez mais uma instituição voltada para "flexibilizar" direitos, acaba de resolver, em nome do bem comum e da "ficha limpa", pela retroatividade de efeitos condenatórios a julgamentos anteriores à própria lei.

Alguém imaginaria mandados coletivos de busca e apreensão dando às forças policiais o poder de invadir aleatoriamente qualquer residência do Plano Piloto de Brasília ou do Jardim Europa em São Paulo? Pois em favelas do Rio de Janeiro, como na Cidade de Deus, em 2016, por conta dos "tempos excepcionais", isto aconteceu sob o olhar complacente da opinião pública.

Desde a Rio-92, as Forças Armadas têm sido sistematicamente convocadas para a "garantia da lei e da ordem". O arcabouço jurídico das operações foi sancionado por FHC, os manuais e protocolos de atuação foram desenvolvidos nos governos petistas: a sensação é a de que o chamamento dos militares tende a se perpetuar, deixando de ser episódico, delimitado no tempo.

Ao longo de 25 anos, em diferentes tipos de intervenção (proteção ou isolamento de áreas e pessoas, vigilância ostensiva, intimidação, ocupação armada), nenhum grande escândalo abalou a presença das tropas no Rio de Janeiro. O comando das operações militares foi sempre discreto, cauteloso.

Em entrevista a Igor Gielow, da Folha, quando as Forças Armadas desfaziam o cerco à "comunidade" da Rocinha, no final de setembro, o general Otavio Santana do Rêgo Barros, chefe de Comunicação Social do Exército, revelou a existência de anseios diferentes: o Brasil deve "rever" os "marcos legais".

Para o general, tropas envolvidas em policiamento urbano precisam ter "segurança jurídica" (um dos receios é o de que militares sejam julgados pela justiça comum quando matarem moradores culpados ou inocentes) e estabelecer "restrições de movimento", "ferir algumas liberdades individuais" e gerar "inconvenientes à população".

Guerra é guerra. Autoritarismo é autoritarismo. O Brasil, parece, vai piorar. 

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