sábado, 14 de outubro de 2017



14 DE OUTUBRO DE 2017
CLÁUDIA LAITANO

PERDEU, PLAYBOY


Quando um psicopata mata a família ou coloca fogo na casa, sempre aparece um vizinho espantado para dizer que o assassino era um sujeito pacato, desses que plantam violetas no jardim. O magnata do cinema Harvey Weinstein, 65 anos, era mais ou menos o oposto desse tipo de criminoso discreto e anônimo que floresce à sombra da própria insignificância. Cofundador da produtora Miramax (batizada em homenagem a seus pais, Miriam e Max), responsável pelo sucesso de filmes como Pulp Fiction, O Paciente Inglês e Shakespeare Apaixonado, Weinstein era até o mês passado um dos homens mais poderosos - e impunes - de Hollywood.

Desde que uma reportagem publicada no The New York Times levantou a lebre, atrizes e modelos famosas têm feito fila para relatar episódios de assédio sexual envolvendo o produtor. Os casos eram tantos e tão conhecidos que um site se deu ao trabalho de recolher referências cômicas ao comportamento "expansivo" do produtor em séries, talk-shows e até no anúncio das indicadas ao Oscar de melhor atriz coadjuvante de 2013. Ou seja: nem as lajotas da calçada da fama foram pegas de surpresa.

Na última terça-feira, uma reportagem publicada na New Yorker colocou ainda mais lenha no escândalo. O repórter Ronan Farrow (filho de Mia Farrow e Woody Allen) apurou uma série de casos de diferentes tipos de agressões sexuais envolvendo o produtor. Entre as vítimas, atrizes como Mira Sorvino, Rosana Arquette, Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow - nada menos do que o Olimpo hollywoodiano.

O roteiro do ataque, ao contrário da maioria dos filmes que Weinstein produziu, era repetitivo e pouco inspirado. Sob o pretexto de alguma reunião de trabalho, o produtor atraía as atrizes para o quarto de um hotel de luxo. Quando a estrela se distraía, o patrão se apresentava apenas de roupão - pedindo ou oferecendo uma massagem (sério?). 

Se elas resistiam, Weinstein argumentava que a "massagem" era "parte do business". Se o repeliam, eram ameaçadas de retaliação. Algumas perderam trabalhos, outras foram difamadas por notícias plantadas em jornais de fofocas. A maioria simplesmente ficava calada, com medo ou vergonha. Weinstein não brincava em serviço.

Em 2015, porém, a jovem modelo italiana Ambra Battilana Gutierrez, com 22 anos na época, decidiu pedir ajuda da polícia e levou um gravador para a "reunião" no hotel. A gravação faz parte da reportagem da New Yorker. Perdeu, playboy.

Sim, nos últimos dias, o playboy perdeu o emprego (na própria companhia), a mulher (que pediu divórcio), os amigos e o que ainda lhe restava de reputação depois de três décadas de abuso de poder. Por um lado, parece que a justiça foi feita. Ainda assim, é assustador perceber que mesmo quando as vítimas são ricas ou famosas é muito difícil romper a capa de impunidade que protege homens como o ex-médico Roger Abdelmassih, o comediante Bill Cosby ou o produtor Harvey Weinstein. Uma capa tramada não apenas por dinheiro e poder, mas pela histórica - e ainda tolerada - naturalização da violência contra o desejo das mulheres.

CLÁUDIA LAITANO

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