20 DE OUTUBRO DE 2017
DAVID COIMBRA
Os honestos brasileiros dos Estados Unidos
Cabem 200 pessoas dentro de um caminhão? Cabem.
Brasileiros que vivem em Massachusetts contam que, na fronteira com o México, grandes caminhões têm suas caçambas divididas em mezaninos onde são amontoados imigrantes ilegais às dezenas, como se fossem os trens que levavam judeus para campos de concentração na Alemanha nazista. Essas viagens através do deserto podem durar oito horas. Muitos passageiros se sentem mal, vomitam às vezes nas cabeças uns dos outros, desmaiam devido ao calor e chegam aos Estados Unidos sujos, rotos e exaustos.
Uma vez, tomei um Uber com um motorista brasileiro. Ele mora há duas décadas nos Estados Unidos. Chegou quando tinha 18 anos. Saiu de Minas Gerais, viajou até o México e atravessou o Rio Grande a nado. Foi pego no lado americano da fronteira e levado para um centro de triagem, onde permaneceu 45 dias. Depois disso, os policiais o liberaram, advertindo:
- Você tem seis meses para voltar ao seu país. Nunca mais voltou. Hoje tem o carro que usa como motorista do aplicativo, casa e família.
Esses são os brasileiros que entram sem nenhum tipo de visto. Eles não passariam pela imigração. Mas há também os que vêm a turismo, com visto de permanência de seis meses, e deixam-se ficar. Eles arrumam emprego e não voltam mais. De certa forma, estão presos aos Estados Unidos, porque, se passarem a fronteira, não têm como retornar.
Fiquei sabendo de uma brasileira que vivia nas imediações de Boston em situação legal. Morava com o marido e os filhos em uma boa casa, trabalhava, recebia um salário que jamais teria no Brasil. Mas seu visto venceu, e ela viajou ao Brasil. Ao voltar aos Estados Unidos, foi detida na imigração. O agente avisou que seu visto vencera e lhe disse:
- Acho que a senhora terá de passar um tempo no seu país.
De fato, ela teve de ficar no Brasil, e tudo o que lhe pertencia ficou nos Estados Unidos.
Os brasileiros de Massachusetts são diferentes dos da Flórida. Os que escolheram aquelas paisagens amenas e ensolaradas do Sul em geral são endinheirados que fugiram da violência urbana e da crise no Brasil. Os que enfrentam o frio do Norte quase sempre pertencem às classes mais baixas, vêm de Minas ou Santa Catarina e estão nos Estados Unidos por um único motivo: para trabalhar.
Eles trabalham duro, 10 ou 12 horas por dia, são faxineiras, operários da construção civil, eletricistas, hidráulicos, garis, lixeiros, zeladores de edifício. São brasileiros honestos, decentes e sonhadores, que juntam os dólares que ganham com dificuldade e mandam dinheiro para os parentes que ainda estão no Brasil. Estão ajudando a fazer a riqueza dos Estados Unidos, podiam estar ajudando o seu próprio país.
Pense nessa gente: eles não são cidadãos da nação em que moram, não têm direito algum e, se saírem, não podem voltar mais aos lares que construíram. Eles trabalham em um lugar que não tem Justiça do Trabalho ou carteira profissional, em que as férias não são remuneradas, em que não há licença-maternidade, Fundo de Garantia ou aviso prévio.
Se eles não têm nenhuma das tantas proteções que o Brasil dá aos trabalhadores, por que saem de lá e vêm para cá? Por que chegam a arriscar a vida para viver como cidadãos de segunda classe em um lugar onde nem conseguem se comunicar com eficiência?
Por uma só razão: porque há emprego.
É essa a defesa do trabalhador: o emprego. É disso que o Brasil precisa: de um mercado aquecido, robusto, livre o suficiente para ter empregos em abundância. O Estado bem pode proteger o cidadão mais fraco. Pode. Deve. Mas, se não atrapalhar, já ajuda.
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