sexta-feira, 6 de outubro de 2017



06 DE OUTUBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

Uma história de terror


Você já ouviu falar em hermafroditas protândricos? Eles nascem como machos e depois se transformam em fêmeas. E, não, isso não tem nada a ver com ideologia de gênero. Os hermafroditas protândricos não são pessoas com a cabeça aberta; são bichos. São as chamadas pulgas-do-mar.

Neste ponto, faço uma advertência: se você não gosta de histórias macabras, pare de ler. O que vou contar sobre a pulga-do-mar é uma mistura de Alien com O Exorcista.

Ocorre que a pulga-do-mar é um parasita. Ela nasce menino, ou seja, um pulgo. Esse pulgo escolhe um peixe para chamar de seu. Quando o encontra, mete-se por dentro das guelras dele e se instala em suas brânquias. Ali, o pulgo vai crescendo, crescendo. Quando está bem gordo, ele vira uma gorda: muda de sexo e se transforma em uma pulga.

Nesse momento, a pulga-do-mar migra para a língua do infeliz peixe. Valendo-se de dentes poderosos, ela fura a carne da língua e ali se aloja. Por mais que o peixe se debata, não conseguirá removê-la. Deve ser horrível, porque a pulga passa a sugar o sangue da língua com voracidade de dez Dráculas, e sua fome é tamanha, que a língua murcha, seca e cai. Aí, a pulga finca as patas traseiras na boca do peixe e passa ela, pulga, a fazer o papel de língua.

Tendo a pulga como língua, o peixe, incrivelmente, consegue se alimentar e sobreviver. Mas em terríveis condições, porque a pulga permanece ali, comendo da mucosa da boca do peixe e bebendo do seu sangue.

Para arrematar essa história horrenda, vou contar algo ainda mais horrendo: é que pulgos machos, ao perceberem que tem pulga na área, invadem as guelras desse mesmo peixe sabe para quê? Para namorar a pulga da língua, que tinha virado fêmea. Aí, o pulgo e a pulga transam na boca do peixe e, mais tarde, é ali que a pulga tem os seus filhotes, um monte de pulguinhos que virarão pulgas.

Cristo!

E, agora que você sabe a respeito dessa pulga vampira, diga-me uma coisa: que história é essa de que a natureza é boa, a natureza é bela, a natureza é pródiga? Se a Mãe Natureza é de fato mãe, como é que ela permite que aconteça algo assim com o peixe? E as zebras que neste momento estão sendo perseguidas por hienas na savana da África? E as moscas que estão enredadas nas teias enquanto a aranha se aproxima para sugá-las? E o coelho que se debate nas garras do gavião?

Sabe o que é bom, na natureza?

Nós!

Nós, seres humanos, também podemos matar e destruir, mas só nós preservamos o mico-leão-dourado e os gorilas do Congo, só nós plantamos árvores e criamos parques, só nós despoluímos rios e só nós poderíamos tirar a maldita pulga-do-mar da língua do peixe, se víssemos uma.

Lembre-se: cães e gatos só existem porque nós existimos, eles são animais domésticos, que dependem de nós e só vivem por nossa causa. Nós enfeitamos o mundo com coisas grandiosas, como as pirâmides, e belas, como o Moisés de Michelângelo. Nós evoluímos até a Megan Fox. Nós damos passes de trivela, pintamos a Gioconda, escrevemos O Velho e o Mar. Nós somos legais. Viva nós. Por isso, vez em quando podemos tolerar uma geração da qual saem um Bolsonaro, um Lula ou um Temer. Na natureza, há monstros piores. No geral, estamos nos saindo bem.

DAVID COIMBRA

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