quinta-feira, 26 de outubro de 2017


26 DE OUTUBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

O fim do mundo

Setenta e cinco por cento dos insetos voadores da Alemanha desapareceram. Li isso nesta semana. Como é que eles contaram os insetos voadores da Alemanha, aí está uma pergunta que não consigo responder, mas, em se tratando de alemães, tenho confiança na informação. E, olha, em geral, sou cético em relação a pesquisas. Tudo depende do que foi perguntado, como foi perguntado e para quem foi perguntado. A pesquisa quase sempre diz mais do pesquisador do que do pesquisado.

Há no YouTube, aquele lugar em que de tudo há, um vídeo interessantíssimo do Lula dando palestra em seu instituto. Com aquela sua cativante cara de malandro, os olhos reluzindo de malícia, a covinha no lado direito do rosto se aprofundando, Lula conta que, quando na oposição, vivia falando mal do Brasil no Exterior porque "pegava bem". Aí ele lembra de um debate de que participou na França com Roberto Marinho e Jaime Lerner. Neste debate, Lula denunciou que havia 25 milhões de crianças abandonadas nas ruas do Brasil. "Os franceses aplaudiam calorosamente", disse, e divertiu-se dizendo. Então, Lerner o chamou de um canto e ponderou:

- Lula, não pode ter 25 milhões de crianças abandonadas no Brasil. Se tivesse, a gente não podia andar na rua!

Lula ria, ao recordar a história, e a assistência ria também.

Números são assim, prestam-se a qualquer tipo de serviço. Se existe algo no mundo que não tem rigor matemático, são os números. E, de todos, os mais manipulados são os índices de pobreza. É uma delícia apresentar às pessoas números que sugerem que nossa sociedade hipócrita é a culpada por tanta desigualdade. É meio revolucionário. O cara cita um número desses e se sente um Che Guevara debaixo da boina.

Lembro que, há dois anos e pouco, os índices de pobreza caíram drasticamente no Brasil. As pessoas se animaram. O que será que o Brasil tinha feito de tão bom? Nada. Quem fez foi o Banco Mundial, que calcula esses índices: antes, o banco considerava pobre quem ganhava menos de um dólar e 90 centavos por dia; agora, considerava pobre quem ganhava menos de um dólar e 25 centavos. Imagino o sujeito vivendo na miséria de sempre e chega um funcionário do Banco Mundial para cumprimentá-lo:

- Parabéns, a partir de hoje, você não é mais pobre.

Tempos atrás, saiu uma pesquisa mostrando que 62 bilionários acumulam mais riqueza do que 50% da população mundial. Se você entrar na pesquisa, verá que ela define a riqueza como o que você tem de patrimônio menos o que você deve. Ou seja: se você é um nababo que comprou uma cobertura em Manhattan e está pagando as prestações, terá menos riqueza do que aquele mendigo na calçada para quem deu R$ 2.

Os números funcionam como a sua mulher quando você pergunta "o que você tem?" e ela responde, virando a cabeça para o outro lado:

- Nada!

Não acredite naquele nada. Aquele nada é muita coisa.

Só que, no caso dos alemães, os números são mais exatos. São números germânicos. O que significa que os insetos voadores estão realmente desaparecendo por lá.

Os insetos voadores, você sabe, são fundamentais para a reprodução das plantas. As flores, para as plantas, têm função cosmética: elas ficam assim, lindas e coloridas como Giseles, para atrair os insetos. E os insetos vão lá para beijá-las e o pólen se gruda às suas patinhas ávidas. Quando eles, infiéis que são, voam para outras flores, levam junto os restos do amor: o pólen. Que engravida aquela outra planta. Ou seja: sem insetos, sem sexo entre plantas; sem sexo entre plantas, sem novas plantas; sem novas plantas, sem comida.

É o fim do mundo.

Esqueça o Temer. Deixe-o naquele emprego do qual ele tanto gosta. Esqueça todos os demais problemas comezinhos do mundo, como o seu chefe e o seu vizinho. Preocupe-se com o que é importante: com as pequenas abelhas, com os minúsculos besouros, com os diminutos insetos que deveriam estar adejando pelos ares da Alemanha.

DAVID COIMBRA

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