terça-feira, 10 de outubro de 2017



10 DE OUTUBRO DE 2017
CARPINEJAR

O cobertor


Onde anda o cobertor preto e amarelo que era da minha avó? Tirei um dia de folga para procurá-lo em casa, subir no alto dos armários, revirar os baús e sacolas de compressão de ar. Armei-me de escadinha e desliguei o celular.

Pode ser loucura queimar o descanso mensal do serviço para uma tarefa tão ridícula, tão gratuita, tão insignificante. Mas aquele cobertor significa ainda a minha única possibilidade de abraçar a minha vó já falecida. A minha avó Elisa Margarida, que subiu aos céus em meus 10 anos.

O cobertor guarda o cheiro da residência de madeira de Guaporé. Mantém o calor do fogão a lenha. Contém o vento sussurrante do Interior impregnado em sua lã.

Herdei a peça de minha mãe quando fui morar sozinho. Na verdade, furtei, porque ela não me daria antes de perguntar para os outros irmãos se eles deixariam e não quis arriscar.

Numa época de edredons impessoais e modernos, num tempo sem espaço nos apartamentos, de uso escandaloso de ar-condicionado, poucos guardam o autêntico cobertor de sofá.

Aquele cobertor que não é de cama de casal, mas pequeno, a ser carregado nas costas como uma capa. É um complemento do sono, para os cochilos e sestas, para a leitura sentado, para saudar o friozinho de uma janela aberta, para acolher a brisa do entardecer, para trazer saudade do café e do chimarrão.

Corresponde a um poncho deitado. Um cobertor pessoal, não familiar. Um cobertor individual, cabe uma só pessoa ali dentro em sua extensão de casaco. Um cobertor amigo da própria solidão.

E o mais enternecedor, que difere de todo enxoval, é que ele tem franjas. Franjas amarelas.

Cobertor velho de vó, para receber o selo de autenticidade, requer franjas em suas bordas. Franjas que pinicam o rosto, que provocam cócegas na nuca, humanizando o tecido. As franjas são os cabelos loiros do cobertor - penteava-os longamente com os meus dedos, desfazendo os nós e prometendo tranças.

O cobertor honrava as medidas da avó, exatamente do tamanho do corpo dela, um sudário que restou de seu carinho.

Enquanto a minha mãe dizia para não esquecer o casaco ao sair para a rua, a vó pedia para não esquecer o cobertor quando passeava pela casa. A mãe se preocupava com o lado de fora, a vó se atinava para o lado de dentro.

Apesar da dedicação no retorno ao passado, eu não achei onde foi parar o cobertor. Precisarei repetir a expedição nas férias. Decidi que vou tirar férias para achá-lo.

carpinejar@terra.com.br

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