quarta-feira, 25 de outubro de 2017


25 DE OUTUBRO DE 2017
PEDRO GONZAGA

PALAVRAS


De fundos coloridos elas emergem em fontes gritantes, sempre com o tom imperativo dos slogans, a modo de disfarçar sua falsa profundidade. Redutoras e flavorizadas, as frases motivacionais infiltram-se em diálogos, passam a ser reveladoras da intimidade, volvem cada espaço sentimental numa prateleira de autoajuda de papelaria. É como se tudo fosse regido pela prática sordidez do mundo dos negócios, e assim surgem produtos como: Eu tenho que saber meu valor; É preciso investir na relação; Fique do lado de quem cresce com você.

A pobreza verbal está para a mente, assim como a pobreza material está para o corpo, mas a primeira pouco se nota. Tempo faz que bato nesta tecla, nas salas de aula, nas palestras, naquilo que escrevo: o uso dos bordões das redes sociais, a ausência da literatura no cotidiano (algo dramático num país de tantos excluídos sem escolha), somados ao esquecimento dos velhos ditos populares, nunca pomposos, nunca ocos, só poderia dar nisso: Eu não sou mesmice, sou intensidade. Ou: O que os outros chamam loucura, eu chamo ousadia. Ou ainda: Superar não é escolha, é necessidade.

Por não conhecerem dúvida, por não enxergarem o outro senão como adversário, por não saberem que o silêncio e o desassossego são partes integrantes da experiência humana, tais lemas conformam todos os eventos vitais a uma espécie de concurso de virtudes em que as pessoas conhecidas são apenas plateia. Por isso, por trás de cada obviedade, existe um eu raso convertido num você raso e subordinado, que não se sabe discípulo de uma ordem estúpida. Tal conversão é simples, tão simples que parece mágica, de fato, é mágica. 

De um Eu sou a pessoa mais linda, passa-se a Acredite que você é linda; de um Eu sou a minha maior expectativa, a Seja você sua maior expectativa; de algo como Eu sou grato a mim mesmo por existir, nasce uma nova "gratidão", que só em aparência se assemelha à tão bela e velha palavra, porque neste caso, dada a exclusão dos outros, diz seu justo contrário. E este é o maior perigo de fazer de tantos clichês um procedimento: palavras levianas calcinam palavras, palavras arrogantes calcinam ideias, palavras egoístas calcinam sentimentos.

A literatura, com seu amor às palavras, bem poderia ser uma saída.

As listas dos mais vendidos alimentam as chamas.

pdgonzaga@icloud.com

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